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Flávio de Castro: Vida miúda

16/08/19 - 11:41

Flávio de Castro
Flávio de Castro

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Manhã de segunda. Desta última segunda. Antes de retornar a Sete Lagoas, fui correr na Barragem Santa Lúcia, em BH. Dia luminoso e agradável. Mas já na primeira volta, ele enevoou: surgiu o burburinho de que um rapaz havia acabado de morrer, logo ali. O pai já havia sido chamado e descido o morro. O rabecão estava a caminho. No gramado, o corpo de um jovem negro, franzino, aparentemente com uma deficiência em uma perna. À sua frente, em pé, um velho senhor, negro, franzino, em choque, respondia mecanicamente às solicitações policiais. Nenhuma palavra.

 

A cada volta, a cada passagem pelo local com pessoas amontoadas, aos cochichos, a tristeza parecia maior. Viviam, o jovem e o pai, um para o outro. A mãe os abandonara, há anos. O outro era tudo que cada um tinha. A cena era miúda. A vida deles era miúda. A tristeza era miúda. A dor era miúda. A lágrima era miúda. A morte era miúda. Morte que não viraria tragédia no Jornal Nacional, nem escândalo em programa de rádio policial. Morte sem sentido. Morte sem nada. Morte de quem na vida nada teve. Morte de quem pouco a sociedade se deu conta, de quem pouca oportunidade mereceu.

 

Mais uma volta. Foi droga? Pergunta um senhor que também se exercitava, dando voz a uma sociedade estúpida que não pode ver um jovem negro, franzino, pobre e de periferia sem lhe atribuir um estigma perverso e sem lhe apontar o dedo. Sem, mais uma vez, lhe destinar um lugar de indignidade, na vida e, agora, na morte. Não, não foi droga. Não, também não foi um tiro policial. Não, o corpo estendido no chão não era de um bandido-bom-é-bandido-morto, a única forma que a sociedade preconceituosa e cruel enxerga jovens assim. Não, ele não havia feito nada errado.

 

Na verdade, por certo, apenas na morte, naquela morte miúda, aquele jovem negro e franzino teve direito ao que um jovem branco e rico, morador de algum bairro do outro lado da barragem, também tem. Naquela manhã, quando desceu sozinho o talude e entrou na água, deu alguns passos e braçadas poucas, até submergir, ele era conduzido – e para isso não há desigualdade social alguma – pelas mãos silenciosas da depressão. Que vida!

 

Flávio de Castro

fjrcastro@gmail.com

 

Flávio de Castro

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