Nossa História

A NOSSA HISTÓRIA: A Crônica do Dia

No artigo da semana passada, tive a oportunidade de falar sobre as serenatas que ocorriam em Sete Lagoas, a partir da crônica de JOVELINO LANZA, escrita no dia 19-09-1957.

14/01/23 - 08:00

Por Amauri da Matta

Na oportunidade, ele citou os seresteiros José Cabral Filho, Waldomiro Campos e José Augusto do Nascimento, que se preparavam para fazer serenatas às suas amadas (MINHA SETE LAGOAS, pág. 77. Belo Horizonte: Editora Armazém de Ideias, 1999). Ainda tratando das serenatas, descobri a crônica de WILSON TANURE, escrita sob o pseudônimo de Justino Justo, apresentada na Rádio Cultura, em seu festejado programa “A Crônica do Dia”, que fazia tanto sucesso, a ponto de a cidade “parar” para ouvi-lo. A crônica foi escrita em fins de 1950 ou início de 1951, pois não obtive, com precisão, o dia, o mês e o ano em que foi publicada. Essa crônica – ao lado daquela escrita por Jovelino Lanza e de outras que certamente existem – representa uma das fontes riquíssimas sobre os nossos cantores e sobre as serenatas. Daí, a importância de transcrevê-la neste artigo. 
Com a palavra, o saudoso cronista, violonista e seresteiro Wilson Tanure: “Quanto mais avançamos, dentro do Século XX, o século das grandes descobertas, o século da velocidade, mais distanciados nos sentimos dos bons tempos das serenatas sentidas, da sinceridade, do romantismo. Os fenômenos que atingiram a humanidade, embruteceram o homem, roubaram-lhe certas etiquetas sociais, que foram substituídas por estranhos costumes que jamais mereceram o aval de quem teve a felicidade de viver na época do extremo respeito, da cordialidade, da animação sadia. Os saraus de então são decepcionantes: a gíria assolou a própria linguagem elegante dos salões. Não se roga uma contradança de uma donzela com aquele respeito a que deveria fazer jus. Depois, terminada a música, abandona-se em pleno salão a pessoa, que, pela boa ética, deveria ser conduzida ao lugar onde se encontrava. Enfim, tudo vai perdendo o seu encanto, tal o terreno que vem ganhando a materialização. 
Sete Lagoas já ouviu belas serenatas. Tudo favorecia: o aspecto da cidade, as músicas sentimentais e a espiritualidade de seus intérpretes. Longe irão os tempos em que Raimundo Fulgêncio, empunhando o seu violão, ia fazendo a sua via sacra sentimental às janelas das moças daquela época. Muitos ainda hão de lembrar as belas serestas de Aristeu de Souza, com sua flauta. O Avelar, o Mudico e o Sulico muitas vezes foram surpreendidos pela luz do Sol ainda detendo a sua clarineta e seus violinos. Mais para a nossa época, tomaram o lugar de seresteiros o Abílio, o Juquita chofer e mais alguns companheiros. E há cousa de poucos anos, quem dava vida às noites com belas melodias era o Pachequinho, com o seu violão, o Zito Fonseca, com seu violino, e, logo depois, dando lugar a Ulisses Campolina, Geraldo Maia, o inesquecível flautista e o último dos seresteiros das músicas de sentimento. 
Hoje em dia, há, de vez para vez, um barulho dentro da noite. Entretanto, não pode ser chamado de serenata. Há notas musicais, mas não há sentimento, não há ambiente propício. Acreditamos que jamais a cidade ouvirá uma serenata que possa ser chamada serenata, em toda a extensão da palavra. Viva-se, apenas, das recordações de bons tempos que se foram e não voltam mais. A estranha evolução do século se encarregou de acabar com as serenatas ... Pouco valem as noites enluaradas, se os sentimentos se degeneram” (Rádio Cultura: A Crônica do Dia. Escrita por Justino Justo. Apresentada em fins de 1950 ou início de 1951. Por Wilson Tanure. Hora: 11:30 horas). 
Ao finalizar este artigo, gostaria de agradecer ao Sr. Geraldo Padrão, dirigente da Rádio Cultura, por franquear, a este colunista, os livros em que se encontram datilografadas as crônicas apresentadas por Wilson Tanure, de sua autoria e de outros colaboradores da rádio, no período de 1949 a 1957, que serão digitalizados e devolvidos ao consagrado radialista. O acervo representa – sem sombra de dúvida – vários e belos capítulos de nossa história!
 

Amauri da Matta

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