O potencial turístico e cultural dos nossos cemitérios de SL e região

Locais de descanso eterno abrigam figuras notáveis e obras arquitetônicas, abrindo oportunidades para o desenvolvimento do turismo cultural.

Por Roberta Lanza

Fundado em 1804 por Napoleão Bonaparte, o Cemitério Père-Lachaise recebe mais de 3,5 milhões de turistas por ano. Lá estão sepultados artistas e personagens mundiais como Allan Kardec, Balzac, Chopin, Oscar Wilde, Marcel Proust, Édith Piaf e Jim Morrison, cuja tumba é uma das mais visitadas, sempre ao som de músicos tocando e cantando clássicos da Banda The Doors.

Em várias partes do mundo, cemitérios tornaram-se importantes destinos turísticos, destacando-se pela arquitetura de suas lápides, pela beleza dos jardins e pelas personalidades históricas que ali repousam. O Père Lachaise, em Paris, e o Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, são exemplos de como esses espaços podem atrair visitantes e preservar a memória cultural. No Brasil, essa prática ainda está em crescimento, pois só recentemente os gestores públicos estão reconhecendo o tesouro cultural e turístico que têm à disposição.

Em Sete Lagoas, um bom exemplo é o Cemitério Santa Luzia, fundado em 1914. O local abriga 2.560 sepulturas e já registrou aproximadamente 267 mil sepultamentos. Entre os sepultados, destacam-se personalidades como o médico Márcio Paulino, cujo funeral em 1961 atraiu multidões, e Monsenhor Messias de Senna Baptista, fundador do Colégio Dom Silvério e da Escola Normal Regina Pacis.

Túmulo de Monsenhor Messias, no Cemitério Santa Luzia, fundado em 1914.

O historiador Gilson de Mattos menciona outras figuras ilustres sepultadas no Cemitério Santa Luzia, como os ex-prefeitos Marcelo Viana e Sebastião Silva. O intelectual João Fernandino Júnior. “Essas pessoas desempenharam papéis significativos na história de Sete Lagoas, e seus túmulos guardam memórias que devem ser preservadas com o respeito que merecem”, afirma Mattos, destacando a necessidade de maior cuidado com esses patrimônios. “Embora esses túmulos tenham sido muito visitados no passado, atualmente enfrentam certo abandono”, observa.

Outro cemitério notável na cidade é o Santa Helena, fundado em 1972. Com 8.600 sepulturas e aproximadamente 280 mil sepultamentos, o local abriga o túmulo do comediante Mauro Faccio Gonçalves, mais conhecido como Zacarias, membro do grupo “Os Trapalhões”. Mesmo após sua morte em 1990, seu túmulo continua atraindo fãs e curiosos. O cemitério também abriga a sepultura de Wagner Mendes de Souza, o “Waguinho”, jovem músico que faleceu em um acidente de carro em 2012. Para homenageá-lo, um violão foi colocado pela família em sua sepultura, simbolizando seu amor pela música.

O “Trapalhão” Dedé Santana visitou o túmulo de Zacarias, no Cemitério Santa Helena, em novembro de 2022

De acordo com Carlos Ferraz, encarregado dos cemitérios da cidade, a manutenção do Santa Helena e Santa Luzia é realizada por jardineiros, mas, devido à grande extensão das áreas, a limpeza nem sempre é tão frequente quanto necessário. “O poder público nos auxilia com os funcionários da Codesel, que sempre que possível nos ajudam a cuidar das dependências dos cemitérios, assim como da área externa”, afirma Ferraz.

O “Trapalhão” Dedé Santana visitou o túmulo de Zacarias, no Cemitério Santa Helena, em novembro de 2022

Cemitérios da região

A atual administração da vizinha Cachoeira da Prata, a 30 Km de Sete Lagoas, realizou reformas significativas nos três cemitérios da cidade, reconhecendo a importância histórica dos locais para as famílias cachoeirenses e visitantes. Durante as obras de restauração, foram encontradas esculturas no portão de um deles, que se tornaram mais uma atração e referência.

“Em um dos nossos cemitérios, Bonfim, está o principal personagem da nossa história, o Cel. Américo Teixeira Guimarães. Ele foi o fundador da Fábrica de Tecidos Companhia Cachoeira dos Macacos, em 1886, e teve papel fundamental na construção das estradas de rodagem da nossa região. Ele também foi vereador em Sete Lagoas, quando a função não era remunerada, e o principal responsável pela criação do Banco Agrícola” (futuramente Agrimisa), afirma Uilton de Souza Araújo (Tim), diretor de Cultura de Cachoeira da Prata.

O Cel. Américo, que se tornou nome de uma das mais movimentadas ruas de Sete Lagoas, nasceu em 1861 e faleceu em 1947.

 
Túmulo do Cel. Américo Teixeira Guimarães, no Cemitério Municipal Bonfim, em Cachoeira da Prata.

No cemitério mais antigo da cidade, Descanso Celestial, encontra-se o túmulo de seu pai, Capitão João da Matta, principal acionista da fábrica de tecidos durante sua fundação. A trajetória desses dois homens está intrinsecamente ligada à história e ao desenvolvimento de Cachoeira, Sete Lagoas, a região central de Minas, e por consequência, de todo o estado e do Brasil.

O vereador de Cachoeira da Prata, Eninho Bertolino, ressalta que a Prefeitura vem cuidando com muito zelo desses espaços históricos. “Esses cemitérios guardam a história de várias pessoas que contribuíram para a nossa cidade. Cada família conhece a trajetória de seus entes queridos que ali descansam. Embora seja difícil citar todos, cada um tem a sua importância e deixou um legado que nos enche de gratidão. Que todos tenham o descanso eterno nas graças de Deus”, conclui Eninho.

Cidades como Santana de Pirapama e Jequitibá também possuem cemitérios de relevância histórica. Em Pirapama, o religioso que se tornou uma verdadeira lenda, Monsenhor Roque, amigo pessoal do ex-presidente Juscelino Kubitschek, está sepultado e seu túmulo permanece como ponto de referência religiosa e cultural.

“O ser humano é o único animal que enterra e cultua seus mortos. O cemitério é, por excelência, o espaço da memória afetiva. Quem está enterrado foi revertido ao pó, mas as pessoas continuam a visitar seus túmulos como uma forma de cultuar sua memória, demonstrar carinho e amor, e manter uma ‘comunicação’ através das lembranças. Um túmulo bem cuidado nos mostra que quem foi sepultado ali ainda é lembrado. Já uma sepultura abandonada, que ninguém mais visita, indica que ali jaz alguém que morreu definitivamente, inclusive no nome. Assim, pode-se morrer duas vezes: primeiro na carne, depois no nome”, conclui o historiador Gilson de Mattos.

Do pai do Cel. Américo, João da Matta, no Cemitério Municipal Descanso Celestial, também em Cachoeira da Prata.
Esculturas de anjos encontradas durante as reformas num dos portões do Cemitério Municipal Bonfim, em Cachoeira, que se tornaram pontos de visitação.
Funcionários trabalhando na manutenção permanente do Cemitério Municipal Sagrado Coração de Jesus, em Cachoeira da Prata.