Crônicas

Encantamento

03/01/22 - 14:33

Por Élida Gontijo

Élida Gontijo

Em um só ambiente o tempo vai apresentando toda uma história. Há um cheiro de saudade, as paredes, os móveis, roupas, o retrato conta toda uma história. No espelho vejo minha imagem com um celular registrando tudo, um contraste entre passado e presente, esperando pela chegada de um novo ano.

Adoro esse lugar : Museu Casa Guimarães Rosa, em Cordisburgo. Sinto como se estivesse na casa de um tio muito querido, onde sempre passei minhas férias na infância. Em diversas paredes estandartes com trechos das obras do autor, vou me sentindo cada vez mais íntima dessa riqueza de palavras. 

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A máquina datilográfica, sente falta dos dedos de Guimarães a registrar todas as histórias. Gravatas borboletas querem voar, voltar ao passado e enfeitar o traje do diplomata brasileiro, há uma foto em uma mesinha, o autor olha pra mim e eu pra ele, nossos olhares se cruzam, se compreendem. Sinto  como uma simples aprendiz diante de tão grande e humilde mestre. Tento entender os neologismos que espalham aqui, ali , lá na frente. Vejo seu sorriso discreto, ele não vê o meu, vivo em tempo de pandemia, com máscara, ele também viveu em tempos difíceis, época da guerra, conheceu o sofrimento do homem do sertão e em contrapartida do judeu tão discriminado.

Há uma riqueza de detalhes, vou viajando em poemas , narrativas, cômodos e cômodos, quantos segredos guardam as paredes, o oratório preserva as orações feitas  pela avó de Guimarães. Sinto como Miguelim, um pouco míope diante de tanto conhecimento e cultura. Riqueza pra mim é isso.

Sou um Riobaldo buscando entender o motivo de gostar tanto desse espaço, desse emaranhado de riquezas, palavras, histórias, espiritualidade, sonho, realidade. 

De repente escuto bem próximo o canto das pastorinhas do Grupo Estrelas do Sertão, da Associação dos Amigos do Museu Casa Guimarães Rosa. Estão vindo louvar o Deus Menino, conservando toda uma tradição, logo ali na sala está montado o presépio, perto do armazém do Seu Fulô, pai de Guimarães , celeiro de histórias inspiradoras para o escritor. Vem também a mídia, a Rede Globo, emissora de televisão quer divulgar essa rica cultura.

Abandono o espelho, as obras, o celular, meus ouvidos e olhar fixam nas pastorinhas. Passo um olhar rápido para a foto de Guimarães Rosa e prometo voltar em breve para aprender mais um pouco.  

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“ Sertão .Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o pode do lugar. Viver é muito perigoso.” ( João Guimarães Rosa).

Élida Gontijo- janeiro de 2022.

Élida Gontijo

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