Crônicas

Élida Gontijo - Mudança

27/03/21 - 10:08

Por Élida Gontijo

Élida Gontijo

Resolvi mudar de casa, primeira coisa procurar as imobiliárias. Como ando esquecida, esta pandemia me desorienta, esqueci de me apresentar :sou uma pequena ave , todos conhecem minha espécie, sou uma andorinha .Aqui onde moro, na Vila dos Passarinhos, todos me chamam Fifi, não sei de onde surgiu esse apelido , mas pegou rapidinho. Não achei ruim, pelo contrário é pequeno como eu e fácil de falar. Você deve estar se perguntando onde foi parar o assunto da mudança? Mas precisava esclarecer alguns detalhes. 

Moro sozinha em uma árvore muito aconchegante, em um pequeno ninho, bem confortável, pra mim estava ótimo até o dia em que chegou uma nova moradora, Dona Coruja, nunca vi ninguém mais rabugenta. Mora na árvore ao lado da minha, pra começar, fica acordada a noite toda dando uns piados horríveis, pensa que todo mundo deve seguir o ritmo dela: dormir de dia e ficar acordada à noite. Durante o dia faço meu trabalho, tomo conta da filhinha da Andorinha Maricota, Lulu é uma andorinha filhote, bem pequenininha, passo o dia em sua companhia enquanto a mãe trabalha . Lulu é linda, delicada, meiga, converso o tempo todo com ela, apesar dela ainda não saber falar, coitadinha me escuta o dia todo, acho que tenho algum parentesco com as maritacas. Já, já irei ensiná-la voar, mas tem tempo, cada coisa na hora certa.

Preciso arrumar um lugar sossegado , Dona Coruja fala de política a noite inteira e quer me convencer que o candidato que ela votou para governar o país dos passarinhos  é o melhor, meu Deus alguém oriente esta destrambelhada o que é ser um bom governante. Já não discuto mais, cansei de tentar expor meu ponto de vista. Minha mãe já dizia: política, futebol e religião não se discute. Concordo desde que não tenha uma vizinha como a minha que votou mal e quer provar o contrário. Não gosto de política, só queria um país bem governado , com respeito por todas as aves. Já morreram muitas por causa da pandemia, muito triste, outra coisa, a rabugenta nunca usou máscara acha desnecessário, é muita burrice para uma ave só. A decisão da minha mudança aconteceu na noite de uma quinta-feira, já estava dormindo e escutei uma barulhada só, logicamente na árvore da vizinha, sabe o que era? Festa, sim festa em tempos de pandemia! Um monte de corujas reunidas, cada uma mais feia que a outra, dançando, piando, com aqueles olhos arregalados que toda coruja tem. Chamei imediatamente a polícia, O soldado João de Barro veio rapidinho e acabou com a folia, só via coruja voando e a anfitriã com ódio de mim, quem mandou não respeitar a onda roxa e os protocolos? Por isso vou mudar, detesto falta de respeito, falta de noção com o que acontece na nossa frente. Mas aluguel aqui na vila está um absurdo, me disseram que o Soldado João de Barro tem algumas casas para alugar, já estive olhando, mas as casas são muito abafadas só têm porta e pequena ,nenhuma janela, não entendo esta ideia dele, mas dizem que é  tradição da espécie construir casas assim , dizem que se a fêmea trair  é presa ali dentro, o companheiro fecha a porta  e deixa morrer, se acontecesse isso no mundo dos humanos meu Deus, sem comentários. Já procurei demais, mas graças a Deus consegui um ninho bem tranquilo do lado da árvore de Lulu, olha que beleza, ao lado do meu trabalho, poderei sair mais tarde para trabalhar e o principal ficar livre da vizinha. Onde vou morar, a árvore floresce sempre, lindas flores vermelhinhas, minha cor predileta. Tem uma lagoa em frente, de manhã o sol reflete na água e enche meus olhos de encantamento e poesia, estou escrevendo um livro, quando ficar pronto farei o lançamento, convidarei vocês podem ter certeza, estou rezando demais pra pandemia passar e poder realizar esse sonho. Espero que você esteja colaborando, usando máscara, fazendo distanciamento, respeitando todas as normas, precisamos viver em paz novamente, já  chorei demais por tantas mortes, crueldade . Mas rezo muito e tenho esperança que vai passar, quando tudo passar mando o convite do lançamento do livro e o convite para um cafezinho no meu ninho novo. Fiquem em casa, um grande beijo pra vocês.

Élida Gontijo- março de 2021.
 

Élida Gontijo

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