Artigo - Qual o tamanho da sua dor?

22/04/21 - 19:14

Márcia Brandão Raposo, jornalista
Márcia Brandão Raposo, jornalista

Márcia Brandão Raposo
Jornalista

O cordelista Braulio Bessa fez o poema “Inumeráveis”, musicado pelo genial Chico César, que diz: “Se números frios não tocam a gente / Espero que nomes possam tocar”. Eles falam dos que morreram por uma doença que se espalhou pelo mundo e que não dá sinais de que vai acabar. Atrás da  frieza dos números estava gente como nós, com suas risadas, seus cantos, suas alegrias, suas tristezas, seus sonhos e amores. Estavam um professor, alguém em situação  de rua, um político, uma avó, uma jovem filha, um pai e uma mãe, uma enfermeira, um médico, um rico, um pobre (estes em maioria já comprovada em pesquisas), todos com uma vida em sua plenitude. 

Vítimas da maior crise sanitária e humanitária que o mundo já viveu. O Brasil vai se agigantando em número de mortos e contaminados, subindo num pódio que não deveria existir. Enquanto a vacina vai chegando lentamente, deixando a interrogação sobre quando tudo acabará. E eu pergunto: diante deste caos que vivemos no Brasil, qual o tamanho da sua dor? Sim, a dor tem tamanho ou não existe a dor.

Estamos cansados, fatigados, inseguros, sem saber como e quando tudo voltará ao que era antes. Ou não. Não somos mais os mesmos. Nosso país é hoje um canteiro imenso de corpos. Mais de 380 mil vidas foram silenciadas. E mais de 14 milhões de brasileiros viveram o medo e as dores da doença, uns mais outros menos. A vacinação, que vinha sendo aplicada com enorme lentidão, foi adiada de maio para setembro para os grupos prioritários.

Entre os milhões de contaminados, quase 17 mil são de Sete Lagoas. A cidade enterrou, até agora, mais de 380 pessoas. As internações continuam altas e a ocupação das UTIs chega a mais de 100%. Mas parece que este é um cenário que ainda não é suficiente para sensibilizar uma parcela de setelagoanos. 

Nos últimos dias, três episódios me chamaram a atenção. E não consigo dissociar um do outro. O primeiro foi uma passeata onde era carregado pelo centro da cidade um caixão – ainda não sei o que seria enterrado -, numa atitude de mau gosto e agressiva contra a população e, principalmente, contra os que vivem seu luto.

A outra ação foi uma carreata de um movimento autodenominado “Liberal Conservador”, como se um não fosse sinônimo do outro. Com trio elétrico passando pela orla da Lagoa Paulino – o que é proibido – tocando músicas dos tempos da ditadura militar e o Hino Nacional, os participantes idolatravam o atual presidente do país.

E, no mesmo dia, circularam pelo whatsapp duas mensagens e uma foto de um grupo de políticos, empresários e médicos que estão criando o “Núcleo de atendimento imediato de COVID, para atender as pessoas carentes que quiserem , e assim ajudar a diminuir contaminação”. Uma proposta polêmica porque não é a vacina que é apontada como a solução para controlar a contaminação. É a distribuição gratuita de um medicamento com eficácia preventiva não aprovada em qualquer país do mundo, o Ivermectina.

Ele faz parte do “kit covid” que o presidente quer impor ao serviço público de saúde. Aqui em Sete Lagoas, vereadores, médicos e empresários pressionam o secretário de Saúde para que o município adote o tratamento. Lavando as mãos, este disse que não pode interferir na relação entre médico e paciente. 

No caso, não se trata de um paciente que procura um médico. Nas mensagens que circularam está escrito que as pessoas serão cadastradas para receberem o medicamento em doses para dois meses e “assim evitar que as pessoas se contaminem e se por ventura se contaminarem serão atendidas gratuitamente pelos médicos voluntários! (exclamação no texto original)”. Vejo o projeto como um experimento dirigido aos pobres. Se der certo, bem. Se não der, tentamos corrigir. Por que os pobres? 

Sete Lagoas não está bem. É uma cidade doente e carente de lideranças. Não se discutem saídas para recuperação da economia, nem para quem perdeu os empregos com a pandemia e, muito menos, para as famílias cujas geladeiras e armários estão vazios de alimentos. Há cidades que criaram auxílios emergenciais. Mas não se seguem os bons exemplos por aqui. É o caos.  Em uma parcela da cidade,  a dor não tem tamanho.

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