A NOSSA HISTÓRIA: Os tropeiros!

16/07/22 - 08:00

Quando cheguei a Sete Lagoas, em abril de 1991, na primeira oportunidade que tive, fui assistir a um jogo do Vasco, no Mineirão. Lá no Estádio, procurei, em vão, o cachorro-quente da marca “Geneal”, que eu comprava no Maracanã, composto de pão, salsicha e mostarda, servido dentro de uma embalagem plástica. Simples e gostoso! No entanto, percebi que em Minas era diferente: no intervalo do jogo, o bom mesmo é degustar um feijão tropeiro, ou tropeirão, como preferem alguns: feijão carioca, cozido no ponto “al dente”, adicionado de farinha de mandioca e de milho – meio a meio – bacon em cubos, calabresa defumada fatiada, cebola, alho e sal, preparados e misturados em separado; e, para completar, um ovo frito, por cima. Uma delícia! Foi um dos vários momentos em que constatei a força da culinária mineira! O nome indica o prato dos tropeiros, que por aqui passavam, na época colonial, para abastecer as cidades mineiras com os secos e molhados. “Secos” é tudo aquilo que serve para vestir. “Molhados”, tudo o que serve para comer, mais pólvora, metais e, geralmente, aquilo que não serve para vestir. Hoje em dia, raramente ouvimos essas expressões. Sete Lagoas era passagem obrigatória dos tropeiros. 

O tropeiro, lembra MAFALDA ZEMELLA – citada por MÁRCIO VICENTE SILVEIRA SANTOS – era “o agente por excelência do comércio com as Gerais; uma figura móvel, que aos poucos foi adquirindo traços nítidos e característicos. Transformou-se em personalidade típica de nossa sociedade colonial. Um verdadeiro traço de união entre os centros urbanos afastados”. Pandiá Calógeras classificou-o como “mensageiro da civilização”, e Waldemar de Almeida Barbosa apontou que “sua figura tem sido decantada por prosadores e poetas, devido ao seu heroísmo, à sua capacidade de resistência na luta contra as intempéries, contra animais bravios, contra índios e contra salteadores de estradas. Além de suas atividades específicas de intermediador de negócios, o tropeiro era o aguardado e respeitado transmissor de notícias, portador de cartas e recados. Ainda Zemella, “as cargas sob a responsabilidade de um tropeiro eram bem cuidadas, as missões dadas a ele escrupulosamente cumpridas, tudo sem o menor descaso e sem abusos, daí a confiança ilimitada nele depositada pela população. As mulheres, confinadas nos casarões coloniais, tinham-lhe especial apreço, pois dele recebiam as encomendas feitas, os tecidos em moda na Corte, as sedas, os veludos, as rendas estrangeiras e os enfeites e algum bilhete de amores distantes, escondidos em um embrulhinho especial. O tropeiro era, geralmente, autônomo; no período das secas, ele prestava serviços de transporte para seus contratantes e, na época das chuvas, porque o trânsito pelas estradas era precário, a maioria dedicava-se ao plantio de roças ou explorava uma atividade de comércio em suas vendas” (SETE LAGOAS, SÉCULO XVIII, O Registro e as Estradas Reais: Centralidade e Convergência na Capitania de Minas, pág. 75. Sete Lagoas, Edições Instante, 2019. 236 páginas). Como visto acima, a atividade dos tropeiros era muito importante. Para quem não sabe, nas cidades onde a febre do ouro reinava, a produção de alimentos era escassa, pois as pessoas destinavam todo o seu tempo na busca do metal precioso. Há relatos, inclusive, de “surtos de fome”ocorridos em Minas, que se repetiram entre 1698 e 1699 e entre 1700 e 1701”, numa situação de “quase desespero”, então “relatada pelo Governador Artur de Sá Menezes ao Rei de Portugal” (Obra citada, pág. 70). A tropa, em geral, era formada por 28 a 42 animais. Levava, cada um, dependendo da estrada a ser percorrida, entre 8 e 10 arrobas. A “madrinha” era uma “besta ou égua mais velha e conhecida de outros animais, sob os quais exercia liderança”. A jornada diária variava de acordo com a região. Em Minas - segundo PANDIÁ CALÓGERAS - viajava-se de “Sol a Sol”, caminhando de “légua e meia a duas léguas na fresca da manhã. Na calma do meio dia, descarregavam à beira de uma aguada, para recomeçar o avanço de tardinha, até as quatro ou cinco horas” (Obra citada, pág. 93). A memória dos tropeiros está  registrada na Rua “Estrada dos Tropeiros”, no Bairro Nossa Senhora do Carmo. Homenagem merecida, por terem contribuído em mais um capítulo de nossa história!

Veja Mais