a a bacharel em Direito, o maior desafio é a verdadeira promoção da igualdade racial no Município, a garantia de que direitos básicos sejam respeitados

por Priscila Horta
A presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Sete Lagoas (COMPIR) fala ao Jornal Sete Dias sobre a necessidade de se denunciar casos de racismo através do Disque 100, e afirma que a violência contra as mulheres negras é maior porque elas sofrem em razão de gênero e raça: “Nós, mulheres negras, somos as maiores vítimas da violência no âmbito doméstico, nas ruas e no mundo do trabalho”.
SETE DIAS – Qual a sua relação com a cidade de Sete Lagoas?
Juliana Freitas – A minha relação com Sete Lagoas começou quando minha mãe retornou para a cidade em 1980, quando eu tinha três anos. Cresci no bairro Santa Luzia (famoso Garimpo), experienciando a diversidade cultural, racial e religiosa do bairro. Estudei nas escolas Emilio de Vasconcelos Costa, Escola Técnica Estadual, e me formei na UNIFEMM, escolas nas quais eu tenho memórias muito felizes.
SD – Você está como presidente do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Sete Lagoas (COMPIR). Além de uma grande responsabilidade, está em uma posição de luta. Qual o maior desafio desse trabalho?
Juliana Freitas – O maior desafio é a verdadeira promoção da igualdade racial no Município, a garantia de que direitos básicos sejam respeitados. Não somente os direitos, mas que possamos ter uma cidade antirracista, que respeite a diversidade cultural do povo negro, valorize e potencialize a cultura negra, bem como que respeite as religiões de matriz africana.

Uma mulher em busca do conhecimento, Juliana de Freitas é natural de Belo Horizonte, formada com licenciatura plena em História e Bacharel em Direito. Trabalhou no Juizado Especial Cível e Criminal de Sete Lagoas, de 2001 a 2010, período em que fez o curso de Direito e atuou como estagiária no setor. Esteve também na Secretaria Municipal de Cultura de Sete Lagoas entre 2013 e 2016, é conselheira de Políticas Públicas há 13 anos, foi assessora Legislativa Municipal entre 2021 e 2023 e é professora na rede estadual de ensino desde 2001.
SD – O que você não conseguiu executar enquanto presidente do COMPIR, mas que ainda pretende realizar?
Juliana Freitas – Precisamos que seja criada a Coordenadoria da Igualdade Racial no Município, um órgão administrativo dentro da estrutura da Prefeitura, em adesão ao SINAPIR (Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial), bem como a formalização do Fundo Municipal de Promoção de Igualdade Racial.
SD – A política pública de promoção de igualdade racial avançou no município desde que assumiu o conselho? Em quais pontos?
Juliana Freitas – Sim. O conselho, em articulação com o Poder Legislativo, conseguiu aprovar diversos projetos de lei em benefício da comunidade negra, dentre eles podemos destacar o “Dia Municipal da Consciência Negra” no ano de 2021. Estamos em diálogo constante com a Secretaria Municipal de Educação, a Superintendência Regional de Ensino e o Ministério Público para a construção de um Protocolo Antirracista no ambiente escolar; também já realizamos diversas formações para os servidores públicos com as demais secretarias municipais.
SD – A intensificação da luta contra o racismo tem trazido resultados? Quantos casos de racismo foram registrados em Sete Lagoas em 2023 e 2024?
Juliana Freitas – Ainda há poucas denúncias nos órgãos de segurança, muitas pessoas ficam com medo ou não acreditam na efetividade da punição. Mas informamos sempre a necessidade da denúncia, seja lavrando um Boletim de Ocorrência ou ligando para o Disque 100.
SD – Quais são as principais demandas do Conselho e como avançar no combate ao racismo?
Juliana Freitas – Necessitamos de um maior compromisso dos gestores públicos com as pautas raciais e no combate ao racismo estrutural e institucional. Vivemos em uma cidade que se autodeclara negra (preta e parda), segundo dados do IBGE, logo a gestão pública precisa ter esse olhar para as necessidades desse público, especialmente em setores estratégicos como a educação, saúde, saneamento básico, assistência social, dentre outros.
SD – Como professora pública, qual a sua maior preocupação atual?
Juliana Freitas – A formação de alunos que sejam capazes de fazer uma leitura crítica do mundo. Ler e compreender textos históricos e contextualizá-los com a atualidade.
SD – O ano letivo acabou de começar. Nesse primeiro momento, você sentiu o efeito da Lei que proíbe o uso de celulares dentro da sala de aula?
Juliana Freitas – A lei foi extremamente necessária para o cenário educacional. Nós, professores, vivenciamos situações de alunos viciados em telas, jogos dentro da sala de aula e, com a proibição, em parte, do uso dos aparelhos – visto que a lei permite o uso em algumas situações – estamos presenciando maior participação dos alunos durante as aulas.

SD – Estamos no mês de março, onde várias ações estão sendo realizadas em reflexão ao Dia Internacional da Mulher. Qual conselho pode deixar para as nossas leitoras?
Juliana Freitas – O Dia Internacional da Mulher é um momento de muita reflexão. Precisamos estar muito atentas às ondas conservadoras e totalitárias que se apresentam na atualidade e que visam retirar nossos direitos. Discursos autoritários, uma vez efetivados, afetam diretamente os direitos conquistados por meio da luta das mulheres que nos antecederam.
No Brasil, as mulheres somente conseguiram o direito ao voto em 1934, enquanto os homens já votavam desde a Constituição do Império de 1824. O direito ao divórcio somente aconteceu em 1977, confirmado na Constituição Federal de 1988. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) somente foi criada por interferência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. E, mesmo assim, com essas diversas leis aprovadas, assistimos aos nossos direitos sendo violados cotidianamente. E quando falamos sobre violência, não posso deixar de destacar a violência contra as mulheres negras, que sofrem em razão de gênero e raça.
Nós, mulheres negras, somos as maiores vítimas da violência no âmbito doméstico, nas ruas e no mundo do trabalho. Temos a nossa capacidade intelectual questionada o tempo todo, e isso também é uma forma de violência. Para ocuparmos qualquer espaço de poder, antes precisamos apresentar o nosso diploma, e mesmo com ele em mãos, nosso conhecimento não é validado, o que demonstra por si só o racismo e o sexismo. Diante disso, eu sempre digo para as mulheres que eu conheço: estudem, estudem muito, e se tudo der errado, continue estudando até alcançar seus sonhos. Sejam independentes, autônomas e donas das suas próprias histórias. Não deixem que uma pessoa, uma família, um relacionamento ou uma cidade retirem de você o direito de sonhar com uma vida melhor, próspera e feliz, e tenha sempre ao seu lado alguém em quem você possa confiar.