por Amauri Artimos
Lendo o jornal “Gazeta de Paraopeba”, de 10-05-1936, deparei-me com o artigo “A Festa da Serra”, que retrata como foi o evento, de longa tradição em nossa cidade. A “Festa da Serra”, como é popularmente conhecida, é um evento religioso – um culto à Santa Helena e Santa Cruz – e reúne pessoas de diversas religiões, num mesmo propósito de fraternidade solidária e identificação cultural. Conta a história que Santa Helena, mãe do imperador romano Constantino, foi quem buscou e encontrou a cruz em que Jesus foi sacrificado e, a partir dessa descoberta, passou-se a celebrar, em Jerusalém e em outros países do mundo, a festa do achado da Santa Cruz, no dia 3 de maio. Assim, reconhecendo a importância dessa celebração, o Prefeito Márcio Reinaldo, atendendo ao pleito do Vereador Renato Gomes, declarou a Festa da Serra como patrimônio cultural imaterial do município de Sete Lagoas (Decreto nº 5.323/2015). Por ser um fato histórico, ao noticiar como era o evento nos idos de 1936, republico, para o conhecimento do leitor, o artigo:
“Revestiu-se, esse ano, de um brilhantismo excepcional, a tradicional “Festa da Serra”, cuja realização o sete-lagoano espera ansioso. De há dias, a comissão encarregada vinha desenvolvendo sua atividade, nos píncaros do monte que ostenta, orgulhoso, a singela capelinha de Santa Helena, para que os romeiros encontrassem, no dia 3 de maio, naquelas paragens, algo mais que nos anos anteriores. E, de fato, assim sucedeu. Da cidade, via-se que feérica iluminação ali fora instalada e o vulto do grande Cruzeiro se destacava iluminado, o que dava ótima impressão e aguçava a curiosidade dos sete-lagoanos. NO MORRO. A melhor das impressões tinha-se ao galgar o cume do morro. Alamedas de bambus caprichosamente dispostas. Bandeirinhas multicores, bandeiras com as cores dos cinco clubes de esporte locais davam ao lugar um aspecto novo, alegre, poético. Carros cheios de laranjas, provindos das fazendas das circunvizinhanças. Carros de canas, as quais eram passadas em engenhocas manuais, que produziam a saborosa garapa que era sorvida com sofreguidão pela petizada alegre. Auto-ônibus e automóveis que chegam repletos e voltam em disparada em busca de passageiros. Botequins rústicos por toda a parte. De quando em vez, foguetes que fendiam o espaço, dinamites que estrugiam fragorosamente, anunciavam ao povo que aquele dia era consagrado à Santa Cruz e à heroína Santa Helena. 2.000 PESSOAS. Às 6 horas da manhã já era enorme a afluência de romeiros no pitoresco monte. Quem, colocado com a frente para a cidade, observasse o caminho, via uma colossal serpente humana, preguiçosamente coleando pela encosta íngreme, que dá acesso à ermida. Às 11 horas, podia-se contar, sem otimismo, talvez mais de duas mil pessoas esparsas no alto do Cruzeiro. Lá em baixo, o casario desabitado, as ruas desoladas. Só os desiludidos, os mórbidos, os misantropos, estigmatizando o ato dos que se alimentam ainda de um raio de doce ilusão, lá ficaram. TOILETTES DE CAMPO? Naquele turbilhão humano, não podia o belo sexo abandonar seus enfeites, o seu “panier”. Por isso, de espaço a espaço, mais ao abrigo dos olhares curiosos e das línguas viperinas, via-se um grupo de senhoritas a tingir os lábios e avivar o traço de lápis que substituiu as sobrancelhas sacrificadas num requinte de maldade pela pinça irreverente do cabeleireiro da moda. E daí a pouco surgiam elas com os lábios carminados, o rosto empoado, unhas brunhidas, como se fossem frequentar os salões aristrocráticos do Paço Redenção ou do Grupo Escolar, em dias de “soirées” dançantes ou recepção de Embaixadores …
TOUT PASSE. Celebrados os atos religiosos, a serpente humana que tão preguiçosamente escalou a montanha, volta a se fazer ver, agora menos morosa, em demanda da cidade. O sol se esconde … Despovoa-se o monte … Desce o crepúsculo … Cai a noite, envolvendo a ermida, o cruzeiro, os botequins abandonados, em seu sudário triste. Apenas duas luzezinhas morteiras, nas janelas da capela, que parecem dois olhos tristes a fitar a cidade revivida agora. A “Serra” voltou ao seu habitual sossego. Um ano de soledade! Nesta hora que tudo acabou – quantos corações palpitam de esperança e quanta esperança banida de outros corações” (A FESTA DA SERRA, A. B., Gazeta de Paraopeba, 10-05-1936. Ano XXVI, nº 1.411). Na foto: a Festa da Serra em 02-05-1948.