A NOSSA HISTÓRIA: A Cadeia (I)

Por Amauri Artimos da Matta

Ao nos aproximar do dia do aniversário de Sete Lagoas, em que a terra dos Lagos Encantados deixou de ser arraial para se tornar vila, LÚCIA VICTORIA DE AVELLAR relembra que, para ser instalada, a cidade deveria ter uma Cadeia, o Fórum e a Câmara, construídos pela própria comunidade (Lei nº 1.395, de 24-11-1867). Foi criada uma comissão, formada pelo farmacêutico Joaquim Bicalho, por João Teixeira Guimarães e pelo tenente-coronel João Antônio de Avellar, que, com o apoio da população, conseguiu entregar o prédio da Cadeia (1870), para o município instalar-se (27-11-1871). Noticia, ainda, a autora: “Parece não existir uma fotografia sequer da Cadeia e da Câmara primitivas. Mas as Notas de João Antônio Avellar apresentam alguns detalhes sobre o prédio onde esses órgãos oficiais funcionavam. Sabe-se que ele se localizava na Praça Santo Antônio, do lado esquerdo, onde mais tarde seria construída a Igreja. Numa parte, era assobradado e, na outra não, por causa de declive no terreno. No pavimento superior, ficava a grande Sala do Júri, as instalações da Câmara, a Coletoria, duas prisões e um vasto saguão no centro. Na parte térrea, uma prisão para homens, outra para mulheres e o Quartel do Corpo de Guarda. No mesmo prédio, viam-se as cenas contrastantes – sessões de gala, sessões de júri e aprisionamentos. A cadeia recebia presos até de outras regiões. As celas das prisões, localizadas em compartimentos inferiores, devido às condições do terreno, tinham a desvantagem de estarem próximas a um barranco, embora não pudessem ser consideradas masmorras, no sentido trágico dessa palavra. Além disso, de acordo com as condições da época, era precária a higiene nesse local” (Dr. Avelar na Sete Lagoas Antiga, pág. 22. Belo Horizonte: Editora Mosaico, 2019. 258 páginas). 

As condições das celas não eram boas e, por isso, o Estado, atendendo ao apelo do médico e agente executivo Dr. Avelar (1907), publicado no jornal Reflexo (18-08-1907), realizou obras no prédio. No entanto, ao que parece, as obras não foram suficientes, pois, oito anos depois, uma outra matéria surge, agora no Semanário Rua, abordando idêntica situação (07-03-1915). Pelo seu valor histórico, reproduzimos, nesta coluna, a crônica publicada no semanário: “Quase no centro da cidade um velho casarão se ergue, acaçapado, sem gosto, sem estilo, testemunho da arquitetura dos velhos tempos. A parte da frente desse edifício deita para a praça chamada de Santo Antônio, e a sua parte posterior, no ponto que fica muito abaixo do nível dessa praça, de acordo com a declividade do terreno, apresenta-nos a cadeia, rente ao chão, com os seus sólidos varões. Ali estão aqueles que a sociedade, em defesa de seus interesses gerais, recolheu para que, julgados, sofram a pena que lhes for imposta. Assassinos, ladrões, estelionatários e outros criminosos, num pequeno espaço, estão à espera da absolvição ou da condenação, em estreito cubículo onde respiram um ar viciado e mal recebem a benfazeja luz solar. Nesse ambiente infecto, cheio de micróbios, os desgraçados, responsáveis ou não, em cumprimento de pena ou à espera da sentença do tribunal, acotovelam-se promiscuamente, adultos e menores, entregues a um mundo de moléstias e tendo diante dos olhos, a cada instante, o fantasma da morte. Nas noites de inverno, em que as lufadas de vento gélido penetram pelas grades, os desventurados, sem o lume para aquecê-los, sentindo a umidade do chão, a tiritar, medem com os olhos em chispas ou varões do cárcere e cheios de ódio, quais feras humanas, pensam em se arremessar sobre as férreas grades. E a sociedade, calma, impassível, certa da segurança contra os que julga seus malfeitores, a tudo assiste. 

Assassina também, ela mata o próprio filho e mata-o cruel, perversamente, aos poucos, como que sentindo prazer na sua requintada maldade. Prende-o são, robusto, vigoroso, e na masmorra o interna, sem lhe dar a ventilação precisa, a luz do Sol, a limpeza do corpo que quase apodrece em vida, o alimento que lhe ministre forças ao organismo e o ensino moral e religioso” (A Rua, Semanário Noticioso, 07-03-1915. A Cadeia: A. S.). Continua na próxima edição. Foto: a casa na Rua Manoel Corrêa da Cunha, 187, no Bairro da Várzea, onde o município foi instalado (Fonte: Retalhos do Passado).