Ao longo de sua história, Sete Lagoas sempre contou com a ajuda de pessoas vindas de outras cidades e até de outros países. No capítulo de hoje – lembra o saudoso médico Dr. Mozart Tolentino de Castro, em suas memórias -, ocorreu o contrário, pois aqui ele se formou como pessoa, para depois brilhar em outros locais, ao cuidar de doentes e salvar vidas.
Nascido em Pará de Minas (25-06-1914), Mozart explica como chegou à terra dos lagos encantados, em junho de 1928, vindo de Belo Horizonte, onde residia: “Minha mãe mostrou-me a má companhia em que estava. Fui enviado, às vésperas de completar meus 14 anos, para o internato em Sete Lagoas, no Ginásio Dom Silvério, onde estudei até o fim do curso ginasial. Foi mudança brusca e saudável para mim. O ginásio era dirigido pelo Monsenhor Messias, inteligente, culto, amigo e sempre pronto para ouvir e ensinar. (…) Vi-me, então, noutro ambiente. No Ginásio, como internos, tínhamos, em comum, refeitório, dormitório, chuveiros e tudo mais. Acordávamos às seis horas da manhã com o badalar do sino, fazíamos as nossas camas, lavávamos o rosto n’água quase gelada da pequena bacia esmaltada, que ficava no sereno, em bancos compridos no pátio. Toda a nossa vida era cronometrada, da manhã à noite. (…) O estudo era a principal ocupação pela manhã, durante o dia e à noite. Havia as aulas, a leitura do almoço no refeitório, o horário dos deveres escolares, tudo recebido com agrado e entusiasmo. Conseguia boas notas. Nossos boletins mensais, – a serem mandados para casa – eram comentados em reunião noturna mensal, comandada pelo Monsenhor Messias, que se mostrava sempre bom mestre, amigo e orientador. Tinha, para todos os alunos, uma palavra de estímulo e de satisfação.
A parte esportiva não era esquecida. Tínhamos o nosso time de futebol e treinávamos todas as tardes. O campo era grande, bom e tinha arquibancada para quem fosse assistir ao jogo. Desenvolvia-me física, mental e espiritualmente, pois tínhamos no Ginásio uma capela, que nos recebia em várias oportunidades. (…) Eu jogava futebol diariamente e, aos domingos, tínhamos um treino de resistência, que durava 2 horas, sem descanso. (…) Com quinze anos e meio entrei para o Tiro de Guerra. (…) Nessa fase da minha vida, eu já tinha outra mentalidade, com ideia firme do que era uma família. Formávamos um bloco unido pela harmonia do lar. Íamos à missa aos domingos. O terço era rezado à noitinha, diante dos quadros dos Sagrados Corações de Jesus e Maria. Mamãe comandava sempre a reunião. (…) Em 1930, estava no 3º ano ginasial, era reservista do Exército Brasileiro, atleta e estudante” (MEUS 84 ANOS, pág. 21. História da minha vida. O prazer de ser idoso).
Foi aqui, também, que o Dr. Mozart encontrou o seu primeiro e único amor: Zilda França Diniz, com quem viria a se casar (1º-09-1939) e ter quatro filhos (Gabriel Augusto, Mariângela, Maria Cristina e Rodrigo). Seu namoro foi selado num baile do Democrata Futebol Clube, ao som de “Boa Noite Amor” (14-06-1931). Formou-se na Faculdade de Medicina da UFMG (08-12-1938) e exerceu, de verdade, a carreira médica. Pela sua dedicação, colecionou diplomas e reconhecimentos. Ao se aposentar, como pediatra, no auge de seus 81 anos, teve a feliz ideia de organizar as fichas de seus pacientes, com as anotações feitas e o histórico de vacinas, e enviá-las a cada um, agradecendo, em carta, “a confiança e a amizade” que sempre recebeu deles. Seu gesto de despedida causou emoções e gerou inúmeras correspondências e telefonemas de gratidão. Uma delas o médico transcreveu em seu livro: “Somo-lhes eternamente gratos. O senhor não foi simplesmente o pediatra de nossos filhos, mas o nosso conselheiro, orientador e, acima de tudo, amigo. Na enfermidade de Renato o senhor foi o nosso guardião; a qualquer hora do dia ou da noite o seu telefone não chamava mais que uma vez e o senhor atendia: alô, Edmundo? E o nosso Renato? Assim, durante os 25 dias em que ele esteve internado, o senhor, abaixo de Deus, era em quem mais confiávamos. Graças ao bom Deus, tudo terminou bem e o nosso Renato (como o senhor dizia) está um rapaz bonito e forte, já cursando a faculdade” – Edmundo e Edith, BH, 05-10-1995 (Obra citada, pág. 123). O Jornal “Estado de Minas”, ao saber da forma como o saudoso médico se despediu dos pacientes, rendeu-lhe uma bela homenagem, em artigo da jornalista Sandra Kiefer (20-10-1995). Dr. Mozart faleceu no dia 05-08-2004, aos 90 anos, e com as vendas de seu livro, a filha Maria Cristina tem ajudado pessoas por meio da distribuição de cestas básicas. Assim, com esse lindo exemplo de vida, o pai e a filha escrevem mais um belo capítulo de nossa história!
por Amauri Artimos @amauriartimos Promotor de Justiça aposentado, Presidente do CMDCA/SL e presidente do Coral Dom Silvério