Por Amauri Artimos
Vou lhe contar as histórias, de um popular benfeitor, é de Dr. Avellar, médico, político e escritor. Inicio pelas crônicas, que ele bem escreveu, narrando a serenata, feita pra quem já morreu. Da escravidão era contra e disso tenho certeza, lembrou a morte sofrida, ao ver a cruz de Teresa. Falou de um tesouro perdido, ainda não descoberto, procurado por dois homens, Clemente da Rocha e um preto velho (Uma Narrativa e Duas Lendas). Como médico atuou em vários casos, ainda estudante curou escravo desenganado. Descreveu as simpatias, que o povo sempre acredita: de curar dor de dente, sezões, íngua, veneno de cobra, hemorragia e criança nascida morta. Tratou dos pacientes, que nunca estão satisfeitos, mesmo estando curados, ainda se dizem doentes. Viu a criança, que já nasceu morta, o sacrifício do pinto, para trazê-la de volta. Contou as longas viagens, para ver os seus pacientes, aqueles que nada tinham e se diziam doentes. Fez a parteira jurar que abandonaria esse ofício, pois, sem saber trabalhar, causou um infanticídio. Estreou na profissão, fazendo o parto da cigana, que, por três dias sofria, ao dar à luz a criança. Mostrou o pedido do sobrinho, que não aguentando a tia, louca, tramou o seu homicídio. Fez grande caridade ao doente no hospital, que sofreu 81 dias, de obstrução intestinal. Falou do caso de confiar no paciente, que dizia ter algo, mas a doença era diferente. Lembrou dos adultos, que simulam doenças, mas não enganam o médico, com medo das consequências. Explicou o caso, que um dia aconteceu, da troca das receitas, que o homem não percebeu. Descobriu um charlatão, que enganou o paciente, dizendo que o uso do cachimbo era a causa da doença (Episódios da Clínica).
São tantas as histórias, escritas por Avellar, que o melhor a fazer é abreviar: a do conquistador que quase perdeu aquilo, a saia da cozinheira que foi ao chão, o macaco que perdeu a calça e a alma que morreu do coração. A mordida do cão no teatro, o melhor prato é o feijão, o cachorro que fala e o croquete que caiu no salão. O telhado que virou chão, o boêmio que pulou em cima do defunto, a batina do padre que caiu e o subdelegado que ficou em apuros. O carpinteiro medroso, o João Libório engraçado, o parto do português e o moço apaixonado. O inglês de calças curtas, a ceia do primeiro de abril, a palmatória do Juquinha e o homem que só o medroso viu. A xícara, o menino falador, o sonho desfeito, e a vara de marmelo (Narrações). A caneta de Avellar também fala dos brocardos, enumerando-os um a um, com os seus significados. São muitos provérbios, catorze para ser preciso, publicados em “O Reflexo”, não cabem neste artigo (Crônicas – Carteira de Bento Gil). De trovas e pequenas criações, o livro está recheado, são duzentas e noventa, se eu não estou enganado (Trovas e Pequenas Composições Poéticas). Os seus vinte contos, cheios de trocadilhos, confesso não li, ainda não estou preparado (Contos Art-Nouveau).
Trinta e três poesias, repletas de emoção, até quando falam em castigo, na pena de Talião. A poesia é linda, envolve um grande amor, merece ser conhecida, do nosso fiel leitor: “Se eu te der um beijo, e te zangares, tens um bom motivo de te vingares: é dar-me a pena de Talião, vindo beijar-me sem compaixão. E para que te vingues bem, em vez de um beijo, deves dar cem. Se eu delinquir para contigo, não me perdoes, venha o castigo! Pois crime tal não tem perdão, merece pena de Talião!” (João Antônio de Avellar, Reminiscências de um Médico, pág. 15. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1985. 344 páginas). Os versos que fiz, sem muita pretensão, de certa maneira, foram inspirados na grande poetisa, que é Mariza da Conceição Pereira. Honra-me assim, ao fim deste artigo, um breve trecho citar, da sua homenagem feita ao Doutor Avellar: “Os escritos reunidos, em um livro singular, trazendo os dias vividos, pelo Doutor Avellar! No amor pela nossa Terra, cultuando a tradição, leio o Doutor que não erra: escreve com o coração! Tão feliz, privilegiada, que me esquece o “Revisar”, vou ficando extasiada, ante o Doutor Avellar! Códigos não aprendi das gráficas, na revisão … Só trabalhei no que li, empregando a intuição. E os pobres conhecimentos, da Língua-mãe de além-mar … Mas proclamo aos quatro ventos: Grande é o Doutor Avellar!” (Mariza da Conceição Pereira, Recado à Tia Lúcia, obra citada, pág. 344).