Locais de descanso eterno abrigam figuras notáveis e obras arquitetônicas, abrindo oportunidades para o desenvolvimento do turismo cultural.
Por Roberta Lanza
Em várias partes do mundo, cemitérios tornaram-se importantes destinos turísticos, destacando-se pela arquitetura de suas lápides, pela beleza dos jardins e pelas personalidades históricas que ali repousam. O Père Lachaise, em Paris, e o Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, são exemplos de como esses espaços podem atrair visitantes e preservar a memória cultural. No Brasil, essa prática ainda está em crescimento, pois só recentemente os gestores públicos estão reconhecendo o tesouro cultural e turístico que têm à disposição.
Em Sete Lagoas, um bom exemplo é o Cemitério Santa Luzia, fundado em 1914. O local abriga 2.560 sepulturas e já registrou aproximadamente 267 mil sepultamentos. Entre os sepultados, destacam-se personalidades como o médico Márcio Paulino, cujo funeral em 1961 atraiu multidões, e Monsenhor Messias de Senna Baptista, fundador do Colégio Dom Silvério e da Escola Normal Regina Pacis.
O historiador Gilson de Mattos menciona outras figuras ilustres sepultadas no Cemitério Santa Luzia, como os ex-prefeitos Marcelo Viana e Sebastião Silva. O intelectual João Fernandino Júnior. “Essas pessoas desempenharam papéis significativos na história de Sete Lagoas, e seus túmulos guardam memórias que devem ser preservadas com o respeito que merecem”, afirma Mattos, destacando a necessidade de maior cuidado com esses patrimônios. “Embora esses túmulos tenham sido muito visitados no passado, atualmente enfrentam certo abandono”, observa.
Outro cemitério notável na cidade é o Santa Helena, fundado em 1972. Com 8.600 sepulturas e aproximadamente 280 mil sepultamentos, o local abriga o túmulo do comediante Mauro Faccio Gonçalves, mais conhecido como Zacarias, membro do grupo “Os Trapalhões”. Mesmo após sua morte em 1990, seu túmulo continua atraindo fãs e curiosos. O cemitério também abriga a sepultura de Wagner Mendes de Souza, o “Waguinho”, jovem músico que faleceu em um acidente de carro em 2012. Para homenageá-lo, um violão foi colocado pela família em sua sepultura, simbolizando seu amor pela música.
De acordo com Carlos Ferraz, encarregado dos cemitérios da cidade, a manutenção do Santa Helena e Santa Luzia é realizada por jardineiros, mas, devido à grande extensão das áreas, a limpeza nem sempre é tão frequente quanto necessário. “O poder público nos auxilia com os funcionários da Codesel, que sempre que possível nos ajudam a cuidar das dependências dos cemitérios, assim como da área externa”, afirma Ferraz.
Cemitérios da região
A atual administração da vizinha Cachoeira da Prata, a 30 Km de Sete Lagoas, realizou reformas significativas nos três cemitérios da cidade, reconhecendo a importância histórica dos locais para as famílias cachoeirenses e visitantes. Durante as obras de restauração, foram encontradas esculturas no portão de um deles, que se tornaram mais uma atração e referência.
“Em um dos nossos cemitérios, Bonfim, está o principal personagem da nossa história, o Cel. Américo Teixeira Guimarães. Ele foi o fundador da Fábrica de Tecidos Companhia Cachoeira dos Macacos, em 1886, e teve papel fundamental na construção das estradas de rodagem da nossa região. Ele também foi vereador em Sete Lagoas, quando a função não era remunerada, e o principal responsável pela criação do Banco Agrícola” (futuramente Agrimisa), afirma Uilton de Souza Araújo (Tim), diretor de Cultura de Cachoeira da Prata.
O Cel. Américo, que se tornou nome de uma das mais movimentadas ruas de Sete Lagoas, nasceu em 1861 e faleceu em 1947.
No cemitério mais antigo da cidade, Descanso Celestial, encontra-se o túmulo de seu pai, Capitão João da Matta, principal acionista da fábrica de tecidos durante sua fundação. A trajetória desses dois homens está intrinsecamente ligada à história e ao desenvolvimento de Cachoeira, Sete Lagoas, a região central de Minas, e por consequência, de todo o estado e do Brasil.
O vereador de Cachoeira da Prata, Eninho Bertolino, ressalta que a Prefeitura vem cuidando com muito zelo desses espaços históricos. “Esses cemitérios guardam a história de várias pessoas que contribuíram para a nossa cidade. Cada família conhece a trajetória de seus entes queridos que ali descansam. Embora seja difícil citar todos, cada um tem a sua importância e deixou um legado que nos enche de gratidão. Que todos tenham o descanso eterno nas graças de Deus”, conclui Eninho.
Cidades como Santana de Pirapama e Jequitibá também possuem cemitérios de relevância histórica. Em Pirapama, o religioso que se tornou uma verdadeira lenda, Monsenhor Roque, amigo pessoal do ex-presidente Juscelino Kubitschek, está sepultado e seu túmulo permanece como ponto de referência religiosa e cultural.
“O ser humano é o único animal que enterra e cultua seus mortos. O cemitério é, por excelência, o espaço da memória afetiva. Quem está enterrado foi revertido ao pó, mas as pessoas continuam a visitar seus túmulos como uma forma de cultuar sua memória, demonstrar carinho e amor, e manter uma ‘comunicação’ através das lembranças. Um túmulo bem cuidado nos mostra que quem foi sepultado ali ainda é lembrado. Já uma sepultura abandonada, que ninguém mais visita, indica que ali jaz alguém que morreu definitivamente, inclusive no nome. Assim, pode-se morrer duas vezes: primeiro na carne, depois no nome”, conclui o historiador Gilson de Mattos.