A NOSSA HISTÓRIA: RABISCANDO PALAVRAS!

Ao contar a nossa história, em breves artigos, há sempre muita recordação. E, com ela, o sentimento de saudade, que toca o coração do leitor, transportando-o a um passado que não esperava encontrar. Assim agindo, o escritor, tirando da gaveta fatos antigos, empoeirados mesmo, conecta-se ao leitor, pois ele acaba participando da história. Isso aconteceu comigo! Ao ler o livro da Professora ÉLIDA LACERDA GONTIJO  – uma coletânea de crônicas escritas durante o período da pandemia – revisitei toda a minha infância, como num filme, surpreendendo-me, a cada instante, com os fatos narrados, cheios de beleza e senso poético. Em “Rabiscando Palavras” (São Paulo: Literando Editora, 2024), viajei no tempo, ao lembrar as brincadeiras de criança que eu adorava: futebol de botão, soldadinhos de plástico, carrinho de rolimã (Infância), passa anel, amarelinha, pegador, futebol, pipa e bola de gude (A criança de ontem olha a criança de hoje). Meu carrinho de rolimã: como era bom descer, em alta velocidade, a rua da igrejinha do bairro onde passei a infância! Guardo, como troféu, a cicatriz na perna, que ganhei ao sair da pista e bater na cerca de arame farpado. Élida Lacerda e seus irmãos – relembra a autora – brincavam na rede, que se transformava num barco em mar bravio ou em cavalo de rodeio. E se caíssem ao chão, não havia maiores consequências: era apenas “mais um galo na testa” (A rede). A autora traz, em sua memória, os banhos de chuva, o brincar na enxurrada e as competições que fazia para ver qual barquinho iria mais distante (Dias de chuva). Revive a alegria dos circos chiques ou daqueles de “lona furada”. Dos sonhos que ali se concretizavam, com coelhos saindo das cartolas do mágico. Da mulher sendo serrada ao meio, para, logo depois, aparecer de pé, dançando. Do figurino que enchia de cores e os olhos da plateia: malabaristas, trapezistas, mágicos” e seus “preferidos, logicamente – os palhaços” (O circo). A cronista explora, em detalhes, a sua memória afetiva, em torno da família, dos amigos, de seus alunos e dos fatos cotidianos. 

Élida Gontijo não somente volta ao passado, mas transmite valores sociais e humanos aos seus leitores, como o respeito ao próximo, à natureza e à necessidade de se buscar um mundo melhor. Numa de suas passagens, ensina ao menino que “diversão não tem sexo” e que deveria brincar com a sua irmã, com os brinquedos dele, como ela queria, em vez de recriminá-la. Trata o pequeno irmão como um rei, incentivando-o a só fazer o bem, e ele aceita a missão (O rei menino). Referindo-se aos garis – a quem denomina “passarinhos sem asa”, pois assobiam e voam para alcançar o caminhão que vai à frente – a autora ensina que “materiais cortantes” não podem ser colocados no lixo sem a devida proteção, para não ferir os agentes da limpeza da cidade. Com rara sensibilidade, mostra que eles “são bailarinos também, pois há momentos que ficam na ponta dos pés”, “em sintonia de movimentos”, com o motorista coordenando a coreografia” (Amigos noturnos).

O livro que ora apresento, com a brevidade exigida numa coluna de jornal, é um convite à reflexão sobre os dias atuais, se comparado a um passado não tão distante. Reside, aí, também, a sua importância. Se as crianças “estão muito precoces, a culpa será de quem? Alguém terá de assumir a responsabilidade”, pois “elas não nasceram assim”. O mundo evoluiu, mas foram “influenciadas e orientadas por alguém” (Baú de surpresas). E as palavras que sumiram do vocabulário, por falta de uso? Elogio, por favor, com licença, gratidão … Élida quer inseri-las “em um vidro bem decorado, presentear diversas pessoas e não esquecer de colocar o modo de usar” (É preciso dizer). Onde está o amor? O que você vai ser quando crescer? “A vida é repleta de portas, com modelos, cores diferentes. Algumas portas dão passagem a todos, permanecem abertas, outras são bem seletivas. (…) Penso que existem portas para todos nós passarmos” (Portas). Quem sou eu? “Sou tantas em uma só … Sou pássaro em liberdade, voando pelo céu azul. Buscando um porto seguro, para fixar moradia”. Élida Gontijo é o lúdico em pessoa, rabiscando palavras para lembrar “a vida simples, tranquila. Tendo pássaros a cantar, crianças a brincar e toda a poesia da fantasia”.