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Lange Pinheiro: Diário do Internado

30/01/17 - 16:20

Por

 

 

 

“Meu relato cronológico depois de ficar 5 dias internado em um hospital público de Belo Horizonte”. 

 

Ter 00h42 – Com muitas dores abdominais eu cheguei a esse hospital público encaminhado por uma UPA para fazer uma tomografia. Fui atendido rapidamente, porém só teria médico para me avaliar às 7 horas da manhã. 

 

Ter 01h00 - Na busca de um canto para dormir eu só encontrei uma grande sala, a meia luz, cheia de gente dormindo em cadeiras e amontoados no chão. Sala essa que eu resolvi chamar de Woodstock, pela diversidade de pessoas e tanta droga na veia. 

 

Ter 07h00 - Acordei todo dolorido e já não sabia mais identificar quais eram as dores de antes e as de depois daquela noite.  Logo um paciente aparece com balas para vender, era um vendedor ambulante que estava internado com sua carrocinha de doces e tudo mais. 

 

Ter 07h30 - Um cirurgião avaliou os exames e disse que era mesmo cálculo renal, e dos grandes. Eu teria que internar para fazer uma cirurgia. Pensei: pelo menos eu vou para um leito de verdade né! Que nada! Me colocaram de volta em Woodstock, chamado por eles de leito provisório. 

 

Ter 08h23 - Em Wood eu conheci Carlos, 30 dias internado, uma espécie de dono da boca. Ele que me passou as manhas de um banheiro top lá no último andar, já que o mais próximo era um lixo.

 

Ter 10h00 - Naquele momento, ganhar na mega sena era achar uma tomada para carregar o meu smartphone. 

 

Ter 12h40 - Depois de almoçar Carlos me chamou pra fumar um baseado no jardim do hospital. Neguei, claro! Mas filei o biscoito de polvilho dele só pra ele não achar que eu tinha feito desfeita. 

 

Qua 03h00 - Acordo com uma filha de Deus gritando palavrões e frases do tipo: cadê o médico dessa merda? Foram 2 horas sem dormir por causa da louca. Pensei que estava num manicômio, juro! 

 

Qua 10h00 – Um travesti xingou até a 5ª geração da enfermeira quando ela entrou em Wood chamando em voz alta por Agnaldo... Bicha pobre, segundo um paciente ao lado.

 

Qua 13h10 - Então finalmente uma pessoa do hospital me arrumou uma maca com colchão, lençol e cobertor. Na atual situação aquilo foi praticamente um check-in em um hotel 5 estrelas. Mal sabia eu que agora eu teria que ficar no corredor do hospital.

 

Qua 22h00 – Pronto! Eu estava num lugar onde passavam mais ou menos 500 pessoas por dia e trilhões de vírus por hora. 

 

Qua 22h27 - Um idoso com a cabeça enfaixada, cansado de esperar, atrevidamente abriu a porta de uma sala. Sua acompanhante, a princípio filha, o puxou para fora de forma tão violenta que o jogou no chão. Minha Psicologia Forense desconfia que a faixa na cabeça do velho também é culpa dessa mulher.

 

Qua 23h00 - Não há como dormir nesse corredor. Além da movimentação intensa ainda tem a luz forte na cara. Não teve jeito, levei minha maca 5 estrelas para Woodstock. Ainda não tem previsão para realização da minha cirurgia.

 

Qui 07h00 - Hoje ao escovar os dentes me senti meio Tom Hanks no filme Náufrago. Barbudo e tentando me adaptar a esse habitat pouco familiar. Minhas roupas limpas também já estavam acabando. 

 

Qui 09h05 - Depois da bronca da enfermeira eu tive que voltar para o corredor. Ri muito ao ver um velhinho, depois de receber alta de um AVC leve, perguntar: e cerveja doutor, tá liberada? 

 

Qui 11h30 - As refeições não tem horários certos, são incógnitas, mas a comida é boa.  O café da manhã é simples, pão, manteiga e café com leite, mas a graciosidade das copeiras que o servem acabam tornando-o maravilhoso. Deviam dar um aumento para elas.

 

Qui 11h40 - Com o passar dos dias a gente acaba fazendo amizades com os funcionários. E por eu também conhecer da área hospitalar percebo que as reclamações são as mesmas: Enfermagem reclama da qualidade dos jelcos (acesso venoso), recepção fala que não tem tempo pra nada e a pessoal da manutenção diz que a diretoria muda os setores com muita frequência e que sobram pra eles. Só os médicos não reclamam. Acho que os salários compensam.

 

Qui 12h40 - Ao reencontrar um grande amigo eu me senti como aqueles meninos do antigo desenho Caverna do Dragão voltando pra casa. Ele estava com a boca inflamada e não podia rir. Começamos a contar casos e quase pioro a situação dele. Ainda bem que ele não teve que ficar internado. 

 

Qui 13h00 - Pronto! Cadê meus chinelos? Bem que me falaram pra deixa-los pendurado na maca. Encontrei-os depois de ficar 40 minutos andando descalço pelo hospital. Estavam nos pés de outro paciente. Dei uma dura no cara mas fiquei com medo dele me enforcar de madrugada.

 

Qui 15h00 - Carlos continua comandando a área, mas acho que ele está pensando que eu estou querendo virar rei por aqui. Vou ter que fumar o baseado que ele me ofereceu outro dia só pra não tê-lo como inimigo. Lascou!

 

Qui 15h10 -  Dois funcionários passam quase meia hora ao lado da minha maca discutindo sobre trocas de plantões e se esquecem que o hospital está cheio. Devem ser concursados, claro!

 

Qui 17h15 - Acabo de perder a minha área vip no corredor. É que lá tinha tomada próximo e uma senhora precisaria de estar conectada a um aparelho médico. Entendo a prioridade, mas como eu vou carregar meu celular agora?

 

Qui 17h50 - Agora sim, eu não vou mesmo conseguir dormir. Minha maca foi colocada praticamente na recepção do hospital. Vendo pelo lado bom, tem vista pra rua e eu tenho mais possibilidades de fugir.

 

Qui 18h20 - Hoje na janta serviram uma canja deliciosa. Se não fosse o pote descartável e a colher de plástico vagabundo que corta a língua, dava pra acreditar que eu estava em um restaurante bacana.

 

Qui 19h10 - Minha família veio me visitar, mas como estou internado num leito provisório eles não puderam entrar. Beijos e abraços pelas grades e com os guardas de olho. Fiquei com medo do João (11 anos) pensar que eu estava era preso e liguei depois pedindo pra minha esposa explicar pra ele.

 

Qui 20h00 - A portaria agora está mais lotada do que o normal (que nunca é tão normal assim). Muita gente com joelho machucado. Só uma pergunta: Junior Baiano ainda joga?

 

Sex 02h00 - Está impossível dormir nesse ponto do corredor, muita gritaria. Fui no posto de enfermagem e consegui permissão para colocar minha maca  mais a frente.

 

Sex 07h20 - Acordo com uma enfermeira ou técnica (como saber né!) falando em tom austero: não pode colocar maca aqui, menino! Fora a parte em que ela me chama de menino, eu não gostei nada nada de ter que me mudar de novo.

 

Sex 07h40 - Estou sem medicação há mais de 30 horas e sem dor. Por isso resolvi pedir um ultrassom. Quem sabe esse cálculo renal sumiu?

 

Sex 10h36 - Resultado do exame: parafraseando Drummond, no meio do caminho "tem" uma pedra. Continuo internado.

 

Sex 12h40 - Ao chegar na Central de Internação para fazer um cadastro eu estranhei as grades entre os atendentes e o público. Mas o nível de educação de quem me atendeu acabou fazendo jus à proteção. Vontade de voar nele!

 

Sex 13h20 - Acabo de tomar uma medicação mais forte para sanar a dor. As enfermeiras precisam saber que aquele tiquinho de ar que fica na seringa, quando entra na veia dói pra burro.

 

Sex 14h00 - Hoje é sexta feira, dia internacional da cerveja e eu aqui só na tomando ampola.

 

Sex 14h51 - Nesse momento à minha volta tem 4 pessoas gemendo alto e 5 berrando de dor. Da pra perceber que quem berra é atendido primeiro. E se colocar uns palavrões no meio tem mais prioridade ainda.

 

Sex 16h00 - Acho que tem mais policiais escoltando bandidos aqui dentro do que protegendo a população lá fora. Conseguimos juntar dois problemas num só lugar, saúde e segurança pública. É o caos.

 

Sex 18h13 - Janta saborosa novamente, porém um bêbado achou uma mosca e exigiu falar com o “mestre cuca”. 10 minutos depois ele vomitou todo o chão, mas tenho certeza que não foi por causa da mosca intrusa.

 

Sex 22h33 - O toque de recolher é imposto pelo paciente mais antigo, Carlos. Ele vem apagando algumas luzes e falando:

- Vamos dormir pessoal!

Eu que não sou bobo nada, viro pro canto e fecho os olhos.

 

Sáb 02h33 - A enfermeira me acorda no meio madruga pra aplicar uma medicação. Mas se na prescrição está escrito "EM CASO DE DOR" e eu tô dormindo aquele sono de princesa, não era pra ela passar direto? Não deixei.

 

Sáb 06h50 - Depois de uma boa noite de sono, sou acordado pelo Bochecha dizendo que vai pedir para ir embora. O caboclo tá com um lado do rosto todo inchado, morrendo de dor e ainda assim prefere ir pra casa. Acho que o convenci de ficar.

 

Sáb 10h28 - Me pego pensando no que eu estaria fazendo se estivesse em casa e chego  conclusão que seria o mesmo que estou fazendo agora: nada. Mas um nada com WiFi, Coca-Cola e o aconchego da família é bem melhor né!

 

Sáb 11h47 - Refizeram vários exames e o resultado é: sem infecção, sem inflamação, sem anemia, sem bactérias, batimentos cardíacos e pressão normais. Uai. Essa pedra deve ser mesmo preciosa, viu! Eu estava todo lenhado antes dela.

 

Sáb 13h00 - Relembrando novamente Drummond: "Havia uma pedra no meio do caminho". Preste atenção no tempo do verbo heim! HAVIA. A pedra acabou de sair na minha urina sem necessidade de cirurgia. 

 

Sáb 13h30 - Estou de alta!