Invenção de sete-lagoano detecta Covid e outros vírus por smartphones 

O resultado variou entre 50 e 80 minutos para as infecções testadas nesses primeiros estudos. Como a única máquina envolvida é o celular, o custo fica mais baixo

05/02/21 - 15:36

Luis Pacheco formou o ensinou médio no Colégio Impulso
Luis Pacheco formou o ensinou médio no Colégio Impulso

Celso Martinelli

Com o auxílio da biotecnologia e da inteligência artificial, a possibilidade de se utilizar dispositivos móveis conectados – como smartphones – para diagnosticar doenças infecciosas como a Covid-19 e HIV, de forma descentralizada, é vista como uma das grandes oportunidades da área de saúde digital. É o que mostra o trabalho realizado pelo professor Luis Pacheco, do Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em colaboração com pesquisadores da Harvard Medical School, que acaba de ser publicado no periódico ACS Nano, da American Chemical Society.

Luis Pacheco, de 38 anos, é sete-lagoano e concluiu o ensino médio no Colégio Impulso. Morou na cidade até março de 2000, quando iniciou o curso de Ciências Biológicas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Em 2010, mudou-se para Salvador e, desde então, faz parte do quadro docente do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Luis tem dois irmãos, Pablo e Ana Carolina, e é filho de Hilton Pacheco e Marilane Carvalho. Passou boa parte de sua vida no Nossa Senhora das Graças e no Boa Vista, bairros onde morou.

Além de professor da UFBA, Luis Pacheco é membro da Academia Brasileira de Ciências, Mestre em Genética, Doutor em Bioquímica pela UFMG e tem dois pós-doutorados: Genética Molecular de Microrganismos na UFMG e Bioengenharia na Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos.

O cientista iniciou a pesquisa que resultou na invenção do diagnóstico pelo celular enquanto atuava como professor visitante da Escola de Medicina de Harvard, em 2019. Pacheco teve a companhia do seu aluno Filipe Sampaio, doutorando na UFBA. “O nosso sistema, denominado SPyDERMAN (Smartphone-based Pathogen Detection Resource Multiplier using Adversarial Networks), detectou com eficiência o vírus SARS-CoV-2 em amostras de swab nasal, além de outras infecções virais”, garante o professor. 

Segundo Pacheco, no contexto da pandemia de Covid-19, por exemplo, a disponibilidade de dispositivos diagnósticos conectados ao telefone celular que permitam rápida detecção do vírus SARS-CoV-2, através de uma amostra de swab nasal, pode auxiliar o processo de identificação e isolamento dos casos, permitindo maior controle de disseminação da infecção se comparado ao método de referência para o diagnóstico, que é a RT-PCR.

Pacheco adverte, entretanto, que “a aplicação dos smartphones como dispositivos diagnósticos ainda encontra vários desafios, que incluem a grande variedade e a heterogeneidade dos modelos de celulares, as diferenças nas capacidades de processamento e inconsistências na conectividade à rede de internet em diferentes regiões. Soma-se a isso a necessidade de utilização de dispositivos caros acoplados ao telefone celular em vários dos sistemas de diagnóstico móveis desenvolvidos até então”.

Questionado quanto a logística e sobre os custos operacionais, o professor Luis Pacheco respondeu: “O smartphone, no caso, precisa ser utilizado pelo agente de saúde que realiza o teste. Esses testes para doenças infecciosas normalmente não são pensados para que o paciente realize sozinho, na sua casa. Mesmo os chamados testes rápidos já amplamente usados hoje em dia para doenças infecciosas são realizados em farmácias ou em unidades de atendimento à saúde. Isso porque o teste precisa ser bem conduzido e o resultado precisa ser interpretado de forma correta, em razão das implicações que ele pode acarretar”.

Em relação aos custos, existe uma expectativa e uma demanda internacional para que testes descentralizados sejam bem mais baratos que testes de referência. “Fala-se muito em valores entre 5 e 10 dólares americanos por teste. Claro que isso envolve estimativas, pois esses testes ainda não estão sendo usados amplamente no mundo. Comparado ao teste de RT-PCR, usado na Covid-19 e várias outras doenças comuns, que pode custar entre 250 e 400 reais em média, os testes baseados em smartphones poderiam trazer grandes benefícios em relação ao custo”, considera.

O professor sete-lagoano lembra que esta tecnologia não tem como objetivo eliminar a necessidade de um teste confirmatório laboratorial, mas que poderá ser muito útil para fazer triagens amplas, como em universidades, aeroportos, nos pequenos centros de saúde e até mesmo em eventos. O resultado variou entre 50 e 80 minutos para as infecções testadas nesses primeiros estudos.

HEPATITES B E C, HIV, COVID...
Para o pesquisador, a grande inovação foi implementar um sistema de inteligência artificial que reconhece se o resultado no microchip foi positivo ou negativo, mesmo com toda a variabilidade existente nas imagens obtidas por diferentes modelos de smartphones ou por diferentes indivíduos realizando o experimento, em condições de iluminação e de resolução variáveis. “Nenhuma dessas adversidades impediu que o sistema conseguisse diagnosticar com alta acurácia amostras infectadas pelos vírus das hepatites B e C, pelo vírus da AIDS (HIV), pelo vírus Zika, e até mesmo pelo vírus SARS-CoV-2, quando testado com amostras de swab nasal de pacientes diagnosticados com COVID-19”, comemora o professor.

O uso de dispositivos móveis em diagnóstico é visto como uma estratégia complementar aos métodos diagnósticos de referência. “No caso da Covid-19, até mesmo os grandes centros sofreram com a questão de acesso a testes de referência, como o RT-PCR. A rede laboratorial não deu conta de realizar esse teste para todos que precisavam, em tempo hábil. Dessa forma, um teste descentralizado baseado em celular poderia agilizar os resultados e aumentar a acessibilidade”, conclui Pacheco.

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Com ajustes, testes poderão ser realizados pelo próprio paciente

O professor Dr. Luis G. C. Pacheco dá detalhes de sua invenção. Segundo ele, o projeto deve passar por adequações para funcionar perfeitamente em ambientes como hospitais e centros de saúde. Ele já foi desenvolvido e testado, até o momento, em laboratórios. Mais a frente, é objetivo que qualquer cidadão tenha acesso à tecnologia e consiga realizar os próprios testes com o seu aparelho de celular. Veja:

Como funcionaria o sistema SPyDERMAN, de forma prática?
O sistema de diagnóstico é todo contido em um microchip de baixo custo e o smartphone entra como um dispositivo de aquisição e processamento da imagem desse microchip. No momento de realização do exame, uma gota da amostra é introduzida no microchip. Para a Covid-19, essa amostra é uma solução na qual foi inserida o swab nasal do paciente. Depois, é gotejada também no chip uma solução contendo "sondas moleculares", especificamente projetadas para cada vírus de interesse. Essas sondas moleculares são criadas para reconhecer antígeno viral (proteína) ou material genético viral (RNA), dependendo do formato do ensaio. Caso as sondas detectem a presença do vírus, elas geram um sinal dentro do microchip, o qual é detectado pela câmera do celular. Por fim, um sistema de Inteligência Artificial, que foi previamente treinado e carregado no celular, consegue distinguir se aquela imagem obtida foi de um microchip com uma amostra positiva ou negativa. Na página do artigo original (https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acsnano.0c06807) há um arquivo pdf gratuito de Informações Suplementares (Supporting Information). 

De onde veio o nome SPyDERMAN (Smartphone-based Pathogen Detection Resource Multiplier using Adversarial Networks)?
Uma tradução possível seria:  Sistema de Detecção de Múltiplos Patógenos Baseado em Smartphones utilizando Redes Adversárias Generativas. Como o nome foi pensado para formar uma sigla em inglês, não fica muito fácil traduzir literalmente.

Existe uma previsão para que o sistema chegue até os laboratórios e clínicas de diagnóstico?
O sistema foi desenvolvido e testado em condições laboratoriais. Precisa ainda de validação clínica em ambientes como hospitais e centros de saúde, onde será operado por agentes de saúde. Isso irá certamente requerer adaptações que permitam que funcione com a mesma acurácia observada no ambiente laboratorial. Isso é um objetivo futuro do grupo da Harvard Medical School, mas sem data prevista ainda para acontecer. Além disso, adaptações futuras serão feitas para permitir alguns testes realizados pelo próprio paciente. (CM)

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