Crônicas

Élida Gontijo - Não me perguntaram

29/09/20 - 15:43

Por Élida Gontijo

A pandemia fez uma revolução no mundo, como não iria fazer na minha vida? Como professora, há anos em sala de aula, pegando desde o simples mimeógrafo com aquele cheiro forte de álcool, até o xerox trazendo uma qualidade maravilhosa para as impressões. Sofri com o quadro escrito com giz, jovem ainda ficava com os cabelos grisalhos com o pó que voava ao apagar minha ferramenta de trabalho, sem falar na rinite alérgica. Mas numa velocidade imensa passei a escrever com pincel, não pensem vocês que sou idosa e nem tão pouco grupo de risco me formei muito nova, apesar de não ter vergonha nenhuma da minha idade, meu rosto traz marcas que nenhum bisturi irá tirar, não quero que apaguem minha história. E de repente no início do ano de 2020, com um mês e pouco de aula, tenho que ficar em casa, não tinha outra alternativa, logicamente a vida em primeiro lugar. Nesses seis meses quanta coisa aconteceu, pensei que iria enlouquecer, nunca tive férias deste tamanho, mas que férias? Tive de jogar o medo de lado e encarar a tecnologia de uma hora pra outra, virar youtuber sem curso nenhum, me guiei pelos tutoriais, por ajuda de amigos que dominavam a tecnologia, fui errando, chorando, deixando o arroz artigo de luxo no momento queimar. Quantas noites sem dormir, vídeo aulas feitas e quando achei que dominava o trabalho, mudou mais uma vez, agora era na bancada, ao vivo, abrindo toda intimidade, procurando um cômodo que não tivesse tanta interferência.

 

Continuando toda saga das mudanças tive de investir em uma internet melhor, me perdia com os horários, tudo mudou, minhas filhas passaram a ter uma mãe que se tornou filha, já que são da geração tecnologia. Meus alunos aparecendo na tela através de pequenas fotos que muitas vezes não eram deles ,mas dos ídolos que eles tanto adoram, emocionei o dia que abriram suas câmeras , vi aqueles rostos familiares agora tão distantes. E numa roda viva fui matando um leão a cada dia, na doce ilusão que voltaria rápido, tem sido um grande aprendizado sim, acho que me tornei uma pessoa melhor, com mais empatia, aprendi a valorizar o hoje, as pequenas coisas e a saúde. Assisti noticiários diversos, sensacionalistas e verdadeiros, quanta dor, quantas mudanças na política, ministro da saúde saindo, ministro da educação também ficamos como folhas soltas ao vento.

 

Passaram-se seis meses já, já é o final do ano, fui sendo levada sem perceber o correr do tempo entre tantos afazeres, ano político é preciso votar, eleger prefeitos e vereadores que nos representem. O mais engraçado disso tudo é que virei diversas em uma só pessoa, todas as pessoas deram palpites na escola, nas aulas remotas, na vida do educador, mas agora no burburinho eminente pela volta para sala de aula ninguém perguntou se queremos voltar, não tivemos escolha no início e não teremos no meio se posso considerar como metade, sendo muito otimista pela chegada da vacina. Os pais conscientes não deixarão os filhos voltarem antes de serem vacinados, protegidos, e os professores? Os de risco ficarão em casa e quem não faz parte deste grupo assim como eu? Os protocolos nos protegerão realmente? E aos alunos que quiserem voltar também estarão protegidos? Como ter uma boa dicção com máscara e mais aquele capacete transparente de proteção? Como controlar minha rinite quando quiser espirrar durante as aulas? Como vou controlar meus impulsos de querer tocar  em meus alunos? E meus colegas de trabalho há tanto tempo sem vê-los como farei sem abraça-los na sala dos professores? Tenho ficado cheia de perguntas sem respostas, não só eu, mas todos que fazem parte da área da educação. Entendo perfeitamente o papel de cada um dentro de uma escola, ninguém ali pode decidir pela nossa volta diante das decisões políticas que não foram levadas ao nosso conhecimento. Fico muito triste, pois todos que comandam uma nação já passaram por nossas mãos em uma carteira da escola e não fomos consultados sobre esta séria decisão. Estamos aguardando a onda amarela passar pra tudo ser resolvido, mas quando poderemos falar que a nossa vida e dos alunos é muito importante? Que podemos sentar e repensar o ano de 2021 de uma forma mais justa possível e que o educador e educando sejam valorizados da mesma forma? Infelizmente diante de tantas incertezas termino meu texto com a afirmativa: não me perguntaram.

 

Élida Gontijo- setembro de 2020.    

 

Élida Gontijo

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