Grafite apagado ao lado da Casa da Cultura gera polêmica e prefeitura se manifesta

04/03/21 - 11:37

Imagem de repúdio que circula nas redes sociais mostra diferentes
Imagem de repúdio que circula nas redes sociais mostra diferentes "fases" do muro até o fim do mural grafitado

Celso Martinelli

Gerou grande polêmica, e revolta, o fim da obra de arte que existia na orla da Lagoa Paulino, bem ao lado da Casa da Cultura. O mural, de uma mulher indígena com os seios à mostra, foi feito pela artista Priscila Amoni durante o Festival Nacional Arte de Rua, em 2019. Sem aviso prévio, uma tinta branca foi passada sobre a pintura. Agora, só existe a parede.

A Prefeitura se manifestou. Em nota, “esclarece que o muro da Escola Estadual Arthur Bernardes, onde antes havia a arte grafite realizada em 2018 e apagada esta semana, na orla da Lagoa Paulino, é de inteira responsabilidade do Governo do Estado. Somente agora técnicos do Estado identificaram que não houve autorização formal do Governo de Minas, proprietário e responsável pelo imóvel, para a realização da obra”.

“O Município reforça ainda seu apreço por todas as formas de artes plásticas, entre elas o grafite. Tanto que, em março do ano passado, lançou o projeto Arte Grafite, que visava a pintura na parede e no pilar externo do Centro de Apoio ao Turista (CAT). O projeto foi suspenso em função da pandemia.

Em dezembro, porém, a Prefeitura lançou o edital 11/2020, inserido na Lei Aldir Blanc 14.017/2020 (de apoio emergencial aos artistas locais), específico para os artistas do grafite. O espaço disponibilizado foi a parede e o pilar externo do CAT. A obra foi composta pelos artistas Lorenzo de Paula e Vitor Gott
”, consta na Nota de Esclarecimento enviada à redação.

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Abaixo, artigo de Maria Paula Monteiro Machado, do Coletivo Feminista Várias Marias:

Quais cores cabem em Sete Lagoas?

por Maria Paula Monteiro Machado
Coletivo Feminista Várias Marias

Me lembro de me chocar com o Doria “Cidade Cinza” em 2017, lá em São Paulo. O então prefeito “declarou guerra” aos grafiteiros e cobriu de tinta cinza diversos murais da avenida 23 de maio. Nunca pensei que tão logo Sete Lagoas também começaria a ficar cinza, e eu não precisaria viajar tão longe para ver um estrago como esse de perto.

 

Às vésperas do 08 de março, um mural de uma mulher indígena com seios à mostra no centro da cidade virou tinta branca. Num piscar de olhos. Sem aviso-prévio, sem que a gente soubesse, sem que a gente pudesse soltar um pequeno suspiro de súplica. Não teve uma vez que eu não passasse por ali que eu não observasse a beleza estampada naquele muro. Um pouco de vida em meio a uma cidade engolida pelo progresso.

Não que eu esperasse muita coisa de um sistema que acha louvável doar terrenos para empresas, mas um absurdo sem fim garantir moradia digna a todos. Eu tendo a acreditar mais uma vez, e mais uma, e outra... como resistem aqueles que insistem em produzir cultura nessa cidade. Como resistem aqueles que ainda creem que aqui pode ser um lugar bom de se viver. 

Recebi essa imagem com uma tristeza profunda. Uma tristeza de quem já viu tantos absurdos acontecerem e serem aprovados, e que cada novidade terrível parece a última gota d’água. Como se o copo da desesperança fosse entornar a qualquer instante. A gente respira fundo, sente um aperto no peito, lamenta com os nossos. E acorda pra um novo dia, aguardando que ao menos uma vez Sete Lagoas tenha algum resquício de humanidade.

Que aqui não seja só asfalto, concreto, fábrica, indústria. Aqui tem gente. Gente precisa de praça, de cultura, de cor. “A gente quer comida, diversão e arte”, não é assim que dizem? 

Por que apagaram o mural? Qual a explicação para destruírem uma obra de arte no centro da cidade? Uma obra que ficava, pasmem, ao lado da “Casa da Cultura”. Esse mural foi feito pela artista Priscila Amoni, durante o Festival Nacional Arte de Rua, em 2019. Hoje, restam apenas as lembranças e as fotos, como tantas coisas boas que um dia existiram aqui, nesse lugar que já tenho dificuldades de chamar de lar.

Uma cidade que não respeita a arte e os artistas perdeu o apreço pela própria vida. 


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