Crônicas

Caixa de memórias

29/03/22 - 17:25

Por Élida Gontijo

Élida Gontijo

Dedico este texto aos meus avós paternos : Antônio  Lacerda Gontijo e Maria Gontijo Lacerda e aos avós maternos: Virgílio de Souza e Maria Correia

Cada um possui a sua caixa de memórias, a minha deixo guardadinha em um cantinho. De vez em quando meu coração se sente tocado e sou impulsionada a abri-la. Nela cabem tantas coisas, todas valiosas, relíquias, sou dona de um grande tesouro. Quando fico triste pego a caixa e vou abrindo bem devagar procurando o sorriso gostoso que já não escuto há muito tempo. De repente escuto nitidamente a risada gostosa da minha tia Zazá, ela sorria com a boca, os olhos, o coração, enchia de alegria quem estava a sua volta.

Sinto o cheiro gostoso do café coado na hora, lá da roça, na Vargem Grande , próximo a Bom Despacho, terra dos meus pais. Minha avó materna tinha mãos de fada para cozinhar, um simples prato se transformava em um grande banquete.

Escuto os sapos coaxando atrás do monte de lenhas, armazenado na cozinha para abastecer o fogão, meus pensamentos voltam à infância na fazenda dos meus avós maternos. Vejo vagalumes piscando aqui, ali, em meio a escuridão cheia dos medos que meus primos me passavam. Escuto o barulho do balde trazendo da cisterna  a água pura para abastecer toda a casa.

Como era bom ser abençoada por meus avós na hora de deitar e levantar! Muitas vezes a minha caixa de memórias derrama a água da bacia que era usada pra gente tomar banho. As crianças de hoje não têm noção desse banho fantástico. A água ficava suja da poeira que trazíamos em nossos pés cansados de brincar nos terreiros imensos na porta da casa. Percebia que estava crescendo, quando a bacia ia ficando pequena para o banho.

Guardo também meus medos de levantar à noite para fazer xixi, não existia banheiro, existia sim um penico debaixo da cama, que nunca quis usar, apelava para algum irmão ou primo para acompanhar-me na escuridão segurando a lamparina, que muitas vezes se apagava, a natureza nos recebia sendo adubada.

Minha caixa de memórias guarda o som bonito da viola e dos violões dedilhados por meus tios e acompanhados pelas lindas vozes das minhas tias e minha mãe, chego a chorar quando meus ouvidos recordam com saudades esta roda de cantoria.

Abrir essa caixa distrai muito, mas quantas vezes choro, choro muito de saudades de um tempo que não volta. Saudades traz o sal da falta, da fala, do toque de tudo que se perdeu pelo tempo, ficando logicamente guardados nessa linda caixa que lhes apresento queridos leitores. Esse tesouro bem guardado será apresentado aos meus netos , tenho fé que terei alguns. Kkkk. Mostrarei para eles o valor de ter uma família de raízes ligadas ao campo, sabedoria de quem sabe o tempo de plantar e de colher. 
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Dos meus avós paternos guardo os casos que meu pai e tios contam, pois não os conheci, Deus os chamou muito cedo.

Fecho minha caixa devagar, as lágrimas misturam com a água da bacia, turvam meus olhos, vou voltando vagarosamente à realidade, carregando, sentindo, cheiro e gosto de saudade.

Gratidão a todos meus antepassados que viveram da terra e dela tiraram seu sustento .

Março de 2022.

Élida Gontijo

Élida Gontijo