Crônicas

Amigos noturnos

09/12/20 - 10:37

Por Élida Gontijo

Três noites por semana aguardo meus amigos passarem em minha rua, chegam fazendo uma barulhada danada, de longe escuto o barulho do caminhão, a risada deles, algumas conversas, muitas vezes gritam com alguém ou mesmo entre eles, noto que estão sempre alegres. Enquanto um dirige , um ou dois juntam os sacos de lixo, jogam dentro da caçamba. Muitas vezes assobiam, são passarinhos sem asas, mas voam para alcançarem o caminhão que vai à frente. Seguram em alças de metal nas laterais do caminhão para não caírem, fico imaginando terão família? Que horas chegarão em casa?

O mau cheiro dos lixos parece não os incomoda já virou rotina. Muitas vezes tive vontade de descer do prédio que moro e dar pelo menos um boa noite, mas eles têm pressa, aqui do terceiro andar fico observando-os, nunca devem imaginar que são notados. Penso que não deve ser uma profissão fácil, mas ao mesmo tempo volto atrás, difícil é estar desempregado.

São bailarinos também, pois há momentos que ficam na ponta dos pés, há uma sintonia de movimentos , o motorista coordena a coreografia. Percebo que alguns cidadãos deixam materiais cortantes sem proteção e acabam ferindo meus amigos, tantas campanhas já foram feitas para isso e nada, a falta de consciência continua.

No sábado estava em casa ,reunida com minha família comemorando o aniversário de minha filha mais nova, nada de aglomeração só nós de casa, De repente escutei o barulho do caminhão , resolvi que seria naquela noite que desceria e levaria comigo alguns salgadinhos e docinhos para meus amigos, amizade que só eu sabia. Gritei daqui de cima  que esperassem , acho que pensaram que havia esquecido de colocar o lixo na porta do prédio. Nunca vi tanta alegria, o bailarino do chão abriu rapidamente as mãos não importando se estavam com luvas sujas , a fome foi maior , apesar de ter arrumado tudo em  guardanapos. Ele foi até a porta do caminhão ,o motorista abriu a porta  o outro disse ao companheiro que teriam lanche. Disseram que logo parariam e poderiam comer. O motorista trazia um sorriso que neste tempo de pandemia ainda não havia visto. Nos despedimos, eu emocionada por ser tão fácil fazer alguém feliz num sábado à noite. O caminhão arrancou com o bailarino agarrado, entrei no prédio e fiquei pensando que não havia perguntado os nomes deles, mas outra noite irei perguntar, pois agora já nos conhecemos.

Élida Gontijo-dezembro 2020.
 

Élida Gontijo

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