Esporte

E lá se foi o Mestre José Augusto Faria de Sousa! Sousa com “S”

22/03/24 - 11:00

José Augusto Faria de Sousa, em foto feita por mim em 2022
José Augusto Faria de Sousa, em foto feita por mim em 2022

Por Chico Maia Blog

Administrador e advogado brilhante, porém seus maiores prazeres eram a prosa, a escrita, a poesia e o futebol. Óbvio que, depois da família, a esposa Rosália, as filhas Juliana e Letícia os filhos Rodrigo e Eduardo, genros, noras, netos e bisnetos.


Foi Secretário de Cultura e Administração de Sete Lagoas, especialista em Guimarães Rosa, membro das Academias Cordisburguense e Sete-lagona de Letras, depois de ter sido agente do IAPI e bancário (Banco Real).
Uma figura humana fantástica, intelectual e popular. Quando apresentado a alguém, fazia questão de lembrar que o seu Sousa era com “S”.


Exerceu tudo intensamente, com excelência, em detalhes, até poucas semanas antes de nos deixar, na manhã desta segunda-feira, 18 de março, aos 89 anos de idade. Completaria 90 em outubro.

Com vários problemas de saúde se acumulando nos últimos anos, dava um jeito de desviar de todas as dificuldades de visão e locomoção para continuar escrevendo seus ótimos livros e artigos para a imprensa de Sete Lagoas e da sua Curvelo, onde foi registrado, pois a sua cidade de nascimento é Joaquim Felício (125 Km mais ao Norte de Curvelo), 300 Km de Belo Horizonte.

 

Viúvo da D. Rosália desde o ano 2000, sempre apoiado em todos os aspectos pela companheira dos últimos anos, a encantadora Ilza Gontijo.

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Grande comentarista esportivo da Rádio Cultura de Sete Lagoas nos anos 1950/60/70, tempos em que a cidade tinha dois dos mais fortes times de Minas, o Democrata e o Bela Vista.
Não tive a honra de trabalhar com ele, mas aprendi muito com seus ensinamentos, já que tive o privilégio de conhece-lo, logo quando comecei a carreira na própria Cultura e no Jornal do Centro de Minas, quando eu tinha 11 anos de idade.


Quando lancei o SETE DIAS, há 32 anos, era a ele a quem eu recorria para escrever sobre determinados assuntos da cidade, não só futebol. Se morria alguém que merecesse uma homenagem, ele mesmo ligava, informando que o artigo já estava pronto.


Avesso à mentira e à hipocrisia, características de tantos sete-lagoanos (verdade verdadeira) “Zé Augusto” falava e escrevia o que pensava. Certo dia, me encontrei com ele na Banca da Marília (nas margens da Lagoa Paulino) e comentei:
__ “Morreu “fulano”, né? (uma ex-autoridade pública da cidade) e ele frio, respondeu: É! E aí? Vai escrever sobre ele?

 _ Ora, Maia! De jeito nenhum. Não minto para os meus leitores. Eu teria que falar a verdade sobre o cidadão e magoaria muita gente próxima ele, de quem gosto muito. Aquilo era um crápula. Péssimo profissional, péssimo pai de família, uma pessoa nefasta.
Nessa, vou ficar te devendo!

O SETE DIAS registrou em nota sucinta, num rodapé, a morte do “fulano”.

Sempre atento a tudo e a todos da cidade, o Zé Augusto foi um dos responsáveis por uma das maiores gafes que eu e o SETE DIAS cometemos na vida. “Matamos” um dos maiores dirigentes de futebol da história da cidade, o Jaime Pereira dos Santos, um mito do Democrata Jacaré, que já idoso, estava afastado de tudo e morava em distrito da sua cidade natal, Santana de Pirapama, a 80 Km de Sete Lagoas.


Jaime estava muito mal de saúde, internado no Hospital Nossa Senhora das Graças em Sete Lagoas. O Zé Augusto, fora informado de que ele tinha morrido. Me ligou, alertando que o jornal deveria fazer uma grande reportagem/homenagem sobre ele, pois era alguém que merecia muito o reconhecimento pelo que fez pelo Democrata. E assim foi feito, mas a nossa equipe não apurou a “causa mortis” nem o horário do enterro e tacamos na manchete: ‘Morre Jaime Pereira dos Santos, pedaço da história do Democrata”. Capa do jornal e a vida dele destrinchada, com depoimentos de amigos, dirigentes e ex-jogadores com quem ele trabalhara.


Tão logo o jornal foi para as bancas e assinantes, o telefone não parava de tocar: “Jaime não morreu; teve alta e foi se recuperar na fazenda do irmão, Aberlado, em Santana do Pirapama”.
Vixe! Ainda bem que ainda estávamos na era do celular.
Mas a notícia foi longe. Alguém da cidade ligou para o Orlando José, que apresentava o ‘Tiro de Meta’, da Itatiaia. Amigo do Jaime, o Orlando informou e lamentou várias vezes a ‘morte’ do ex-dirigente do Jacaré, “noticiada pelo principal jornal de Sete Lagoas”. O Orlando era e continua sendo meu amigo também, e encheu a bola do jornal.


Às 7h30, sem graça, o Zé Augusto me liga dizendo:
__ Maia, a Rosália pediu pra te chamar para um café aqui em casa, sem direito a recusas, pois ela precisa falar comigo e com você, juntos.

Cheguei, mal me ajeitei na mesa e a D. Rosália começou a bronca, cobrando mais seriedade antes de publicar alguma coisa tão séria, das consequências de uma notícia dessas etecetera, etecetera e etecetera e tal. No fim, deu a ordem:
__Já falei pro José Augusto que você e ele têm a obrigação de ir visitar o Jaime, que já está na casa do irmão dele, para pedir desculpas. De preferência, hoje ainda!

E lá fomos, eu e a minha fonte acima de qualquer suspeita, cumprir a ordem da D. Rosália e procurar o Jaime. Feliz demais da conta, ele nos recebeu com um forte abraço, dizendo que fizemos um favor a ele, pois não sabia que era tão querido e as visitas e telefonemas não paravam de chegar.
Morreu quase 10 anos depois.
E a vida que seguiu!

 

Feliz com o mal-entendido, já que o mundo do futebol voltou a se lembrar dele, Jaime Pereira dos Santos nos recebeu com largo sorriso e a simpatia de sempre – Fotos SETEDIAS/arquivo pessoal

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José Augusto voltou aos tempos de radialista para entrevistar e nos redimir com o Jaime Pereira dos Santos, em Santana de Pirapama

Em maio de 2008, morreu um amigo e grande ex-jogador do Democrata, filho do lendário Guará, o “Diabo louro” do Atlético, que empresta o nome da maior honraria do futebol mineiro, o “Troféu Guará”, da Itatiaia. Precoce e inesperadamente, lá se foi o Luiz Carlos Januzzi.
Zé Augusto nos enviou o artigo/homenagem, que transcrevo aqui para vocês:


“À MEMÓRIA DE LUIZ CARLOS JANUZZI
Por José Augusto Faria de Sousa

Luiz Carlos Januzzi (esquerda), na entrega do Troféu Guará 2007, ao lado do Emanuel Carneiro e do jornalista Rogério Perez

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Único filho homem de um gênio do futebol (o consagrado e legendário Guará – Guaracy Januzzi), eterno ídolo e símbolo do Clube Atlético Mineiro, desde muito cedo Luiz Carlos já estava seguindo as pegadas do pai, nas categorias de base do clube alvinegro, onde o genitor se consagrara.
E vivendo num clube onde sobravam estrelas, que lhe tiravam a chance de projetar-se na sua arte, Luiz Carlos acabou cedido ao nosso Democrata Futebol Clube, que também experimentava um momento de esplendor da sua grandeza, no profissionalismo...


Juntamente com as chuteiras, trouxe consigo um modesto emprego de Mensageiro do ex-IAPI (Insituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários), que ganhara nos tempos do Atlético, para ajudar na sua manutenção de moço pobre.
Voltado para o objetivo da carreira de jogador profissional, não comparecia ao trabalho, na repartição pública, tendo as faltas abonadas pelas chefias, pois, aquele emprego humilde, era apenas uma ajuda de custo para o futuroso craque, sendo a situação comum naqueles tempos em que o futebol não gerava as riquezas de hoje…
Aqui, na cidade pequena, onde a rivalidade era quase insuportável, a coisa não funcionou do mesmo jeito…


Sua falta de assiduidade ao trabalho foi denunciada e, como não poderia deixar de ser, organizaram uma Comissão de Inquérito, para apurar o abandono de emprego…
Foi exatamente naquela época que entrei na vida de Luiz Carlos, construindo, entre nós, uma bem cimentada e sólida amizade, a qual aumentou no correr dos tempos…


Fui ao velho estádio “José Duarte Paiva”, acompanhado de um grande amigo de Luiz Carlos, e o chamamos a um canto, dando-lhe conhecimento do que estava para acontecer…
Ele mostrou-se atordoado, pois o dinheiro pouco, do serviço público era indispensável à sua subsistência.
Orientado, foi imediatamente para Belo Horizonte, onde lhe armaram um esquema para abortar o alegado abandono de emprego, e a estratégia deu certo!


A partir do dia seguinte, antes que a comissão de inquérito chegasse à agência local do IAPI, Luiz Carlos foi licenciado pelo Democrata, passando a comparecer ao trabalho, assinando religiosamente o livro de presença, no início e término do expediente…
Quando a tal comissão chegou, encontrou-o em pleno exercício de suas funções, derrubando, assim, a finalidade da expedição punitiva…


Luiz Carlos continuou treinando futebol, em horários alternativos, e deu curso à sua carreira de atleta, e, com incrível rapidez, foi conquistando a amizade e o respeito de todos nós. Afinal de contas, era um cavalheiro, da mais fina educação.


Com pouco tempo, para flexibilizar o seu horário no IAPI, dei-lhe a tarefa de revisar, à noite, nos próprios nosocômios, as contas médicas do Hospital Nossa Senhora das Graças e do Hospital Santa Mônica, ambos da cidade, além de conferir as faturas do Hospital Dr. Pacífico Mascarenhas, de Caetanópolis.


Quanta responsabilidade! Que exação no cumprimento do dever! Que zelo com os interesses da repartição! Que excelência dos serviços prestados, além de granjear a amizade e o respeito dos hospitais, da classe médica e dos servidores das instituições hospitalares.


Enquanto isso, o serviço público ganhava um magnífico servidor, no mesmo passo em que os estádios do Brasil podiam continuar vendo a elegância de Luiz Carlos, no manejo da bola, à qual dispensava o trato fino de um gentil-homem, cortejando a mulher amada…


Desfilava entre os outros astros do Democrata, daqueles tempos gloriosos, como um verdadeiro príncipe, e mostrava, nos estádios e na vida social, toda a finesse da sua personalidade e da educação esmerada, que eram suas características principais.
Para não gostar muito de Luiz Carlos, era preciso não conhecê-lo!


Convivemos de perto durante muitos anos, até que os janeiros nos conduzissem à aposentadoria. Ouvi dele as suas estórias de amores e dissabores. Pude ampará-lo, moralmente, quando solicitado, nas suas horas de maior amargura e de grandes decepções…


Nossos filhos (Rodrigo e Eduardo) foram meninos inseparáveis. Tenho um Eduardo, na minha casa, que foi uma homenagem ao filho de Luiz Carlos e Simone, que foi tão amiga de minha pranteada mulher…
Aqueles dois meninos desenvolveram asas e voaram para a vida que se abriu diante deles… Hoje, são homens vitoriosos e de bem!


De vez em quando, nos encontrávamos pelas ruas desta cidade, que escolhemos para nossa terra…
Trocávamos reminiscências. Falávamos da vida e remetíamos a memória para a saudade daqueles que tanto estimamos e que não mais estavam conosco…

Na manhã de 11 de maio, fui vê-lo pela derradeira vez, na sua urna mortuária. Meus olhos que quase não vêem mais, consumidos pelo glaucoma, e as lágrimas, que mais ainda os embaçavam, nem deixaram que eu visse o seu semblante, na hora derradeira…
Mas tenho certeza de que estava diante de um homem bom, repousando da dura lida, e que partiu levando uma imensa legião de admiradores e amigos…


Viajou para sempre Luiz Carlos Januzzi, um homem que foi simples, leal e amigo!
Para sua mãe, irmãs, e, especialmente para Eduardo, Cláudio e Maria do Carmo, que mais de perto conviveram comigo, o meu abraço.

José Augusto Faria de Sousa
 

Senhoras e senhores, eu ficaria dias inteiros aqui, falando sobre o Zé Augusto, mas infelizmente tenho que dar uma pausa, porque a vida segue!
Quando li este texto sobre o Luiz Carlos, eu disse a ele:
__ Caro Zé Augusto, se eu morrer antes de você, espero merecer um artigo desses, hein!?

E ele, prontamente:
__ O que é isso meu caro Maia! Eu já estou mais pra lá do que pra cá. Certamente você é quem vai escrever sobre a minha partida, qualquer hora dessas. Claro, se você achar que serei merecedor!

Pois é! Não tenho o brilhantismo dele com as letras, mas, 16 anos depois, estou aqui cumprindo um trato e fazendo o reconhecimento público a que tanto merece o caríssimo José Augusto!
Um exemplo, em todos os aspectos. Gratidão à vida por ter conhecido, convivido e aprendido com essa figura fantástica e sua família, gente de quem tanto gosto.
Até um dia, caro José Augusto Faria de Souza, com “S”!
Como diz o Milton Nascimento, “Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar…”

Chico Maia Blog

Jornalista formado pelo Uni-BH

(antiga Fafi-BH) e advogado pelo Unifemm-SL.

Trabalhou nas rádios Capital, Alvorada FM, América e Inconfidência.

Na televisão, teve marcante passagem pela Band Minas e também RedeTV!.

contato@chicomaia.com.br 

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